Primeiro, dicionário:
so·ro·ri·da·de
(larim soror, -oris, irmã + -dade)
substantivo feminino
1. Relação de união, de afeição ou de amizade entre mulheres, semelhante à que idealmente haveria entre irmãs.
2. União de mulheres com o mesmo fim, geralmente de cariz feminista.
"sororidade", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/sororidade [consultado em 16-10-2018].
Segundo, vida real:
A capacidade de nos enxergar nas outras mulheres nos ajuda a fugir de julgamentos prévios. É reconhecer que o que dói na outra (ainda que em proporções e contextos diferentes) dói em mim porque somos vítimas de um mesmo sistema patriarcal e cruel com as mulheres. Não tem nada a ver com amar todas as mulheres incondicionalmente nem passar a mão na cabeça umas das outras independente de suas escolhas e ações - a sororidade não é defesa classista alienada, não somos obrigadas a aplaudir ou apoiar qualquer coisa só por ter sido realizada por mulheres.
Há uma carga social muito prejudicial à evolução de cada uma de nós. São muitos "não faça", "não seja", "não pode", "não consegue" jogados em nossa existência restrita à aprovação masculina. Olhar para o lado e receber um "tamo juntA" é estímulo real para provar que, sim, nós podemos, para saber que há mais braços lutando com você, mesmo que em outros ringues, e para nos encorajar a seguir. Estamos aprendo a viver sem tanta limitação - errando e aprendendo neste processo, com certeza -, por isso é preciso parceria e cuidado umas com as outras, tem sido difícil para todas reconstruir papéis tão marcados (sutilmente ou não) por submissão e opressão. Ser respeitada por alguém à nossa altura aumenta em dobro a autoconfiança .
Na prática, é deixar de rotular mesmo. Não, ela não é piriguete porque também tá de papinho com o seu crush (crush que não está em um relacionamento com você ou, se tiver, que ela pode nem saber - antes que você se antecipe). Não, ela não é fútil por gostar de sapatos e batons. Não, ela não é puta por transar com quem teve vontade. Não, ela não é burra por ser loira. Não, ela não é mentirosa porque resolveu denunciar agressão depois de certo tempo. Não, ela não é interesseira porque prefere homens mais velhos. Não, ela não é feia porque você é muito insegura em relação a você mesma. Antes de colar o adesivo na cara da outra e apoiar discursos machistas que sempre tentaram nos tornar rivais e enfraquecidas como grupo ativo na sociedade, neutralize seu olhar, princesa. Encarar mulher como "inimiga" joga você lá na posição de estar reproduzindo o que também te diminui.
A nossa sensibilidade, ao livrar outras mulheres de olhares carregados por conceitos antecipados que as reduzem, causa impacto nos nossos posicionamentos e questionamentos sociais inclusive. O fato de eu me incomodar e me expressar contrária à avaliação negativa feita a uma mulher por, sei lá, forma como se veste ou quantos parceiros escolhe ter na vida, me reposiciona dentro do ciclo de fortalecimento do machismo. Eu deixar de me calar é tipo deixar de consentir que realmente é verdade que, se não eu seguir o padrão de repressão imposto, me torno uma mulher pior ou merecedora de menos respeito. O fato de decidir "tomar as dores" de quem está sendo sofrendo injustiça diz mais sobre humanidade que sobre luta feminista até.
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