Precisamos da Lei Maria da Penha porque, no nosso sistema punitivista, é preciso criminalizar condutas para tentar coibi-las. É um meio de mostrar que, apesar da usualidade no patriarcado, a mulher não é menor. Vamos encarar a Lei como uma forma de "educar". "Educar" o pai ou o irmão para que ele entenda que não tem a função de delimitar até que ponto ela pode ir antes de merecer uma surra. "Educar" o namorado ou marido para que ele entenda que não detém a posse (física, sexual, psicológica, patrimonial ou moral) da sua parceira. "Educar" o cara para que ele entenda que o corpo da mulher não está disponível para ele pelo simples fato da sua existência e que a vida feminina não é descartável ou menos valorosa que a dele e a dos "brothers" dele. "Educar" um tanto de babaca que não entende que "não" é "não" quando sai da boca de um mulher também - mesmo que ela esteja se acabando numa festa de Carnaval, mesmo que tenha havido consentimento anteriormente, mesmo que exista uma relação estável, mesmo que ela não tenha condições de oferecer resistência e dizer "não" (quando a mulher está vulnerável, por exemplo, devido ao consumo de álcool ou qualquer coisa que afaste seu discernimento).
Precisamos da Lei do Feminicídio porque o Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo por questões relacionadas à condição de gênero. Não é morte de mulher em geral, tipo uma mulher que é vítima de latrocínio, ou vítima de disputas do tráfico, ou vítima de uma briga entre torcidas, ou vítima de uma "bala perdida"... Não! É mulher que morre porque alguém achou que ela não poderia sair de um relacionamento - ou que ela deveria entrar em um. É mulher que morre porque resiste ao sexo sem preservativo ou ao sexo de qualquer forma. É mulher que morre porque precisa cobrar pensão alimentícia para os filhos. É mulher que morre porque o cara não quer assumir o filho. É mulher que morre porque "desonra" a família. É mulher que morre por ser enxergada como o lado "vulnerabilizado" ou "hipossuficiente" da relação.
Precisamos da Lei 13.718 /2018, que, por exemplo, torna crime a importunação sexual, a divulgação de cenas de estupro e a "pornografia de vingança" e aumenta as penas para o estupro coletivo e o estupro corretivo. A mulher não deveria ser alvo de um babaca que não consegue manter o zíper da calça fechado. A mulher não deveria ser exposta por quem confiou e dividiu sua intimidade. A mulher não deveria ser "ensinada a gostar" de pinto. Só que o ódio do machismo valida essas condutas contra as mulheres o tempo todo e violenta, quando não fisicamente, moral e psicologicamente pessoas que terão de lidar com os desdobramentos desses crimes por toda a vida, o mínimo de retratação à vítima é o reconhecimento social da sua situação de vítima - por isso precisamos de leis que assegurem, ainda que minimamente, dignidade à condição de mulher no nosso país.
Vou explicar rapidinho três condutas criminalizadas na Lei 13.718/2018:
- Importunação sexual se diferencia do estupro pela forma que a violência ocorre, já que acontece quando alguém pratica ato libidinoso sem que a outra pessoa autorize, sem que haja "agressão" ou grave ameaça à vítima. São os casos dos caras que se masturbam próximo a mulheres em público, ou dos caras que "encoxam" mulheres em transportes públicos, ou dos caras que acham que seus pintos são bonitos demais e devem ser vistos mesmo por quem não tem interesse... A pena é de reclusão para esse tipo de crime é de um a cinco anos, se o fato não constituir crime mais grave
- Pornografia de vingança é "expor publicamente fotos ou vídeos íntimos de terceiros, sem o consentimento dos mesmos, mesmo que estes tenham se deixado filmar ou fotografar no âmbito privado" - é o caso de quem compartilha nudes que recebeu ou que fez num momento de intimidade com a outra pessoa. A pena é de reclusão é de um a cinco anos, se o fato não constituir crime mais grave, e pode ser aumentada de 1/3 a 2/3 se o crime for praticado por quem tinha alguma relação íntima com a vítima ou com a intenção de vingança ou humilhação.
- Estupro corretivo é o crime de estupro cometido para controlar o comportamento
sexual ou social da vítima - são os casos de estupro em que as vítimas são mulheres lésbicas, para haver uma “correção” de sua orientação sexual, ou cometidos como “controle de fidelidade”, em que parceiros ameaçam a mulher de estupro por todos os amigos ou
membros de gangues se forem infiéis a seus “companheiros”. A pena de reclusão dos estupros cometidos nessas condições é aumentada de 1/3 a 2/3.
*Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2017
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