segunda-feira, 3 de julho de 2017

Como ela chegou

Ela foi rápida ao cruzar a sala de cabeça baixa. Ao sair do banheiro, com o nariz vermelho, reclamou de uma alergia, ou qualquer coisa assim, que lhe causava tanta incômodo nos dias frios. Não era verdade. O rubor da sua face vinha dos olhos, um pouco alterados, nada demais, apenas o suficiente para que tivesse certeza de que havia desatado em lágrimas há pouco. Tentou não conversar. Respondeu tudo monossilabicamente, sem se desviar de um falso interesse à tela. Pude notar, ao engatar em mais de duas ou três palavras, um embargo em sua voz trêmula, como se o choro ainda estivesse ali, escorrendo por dentro, esperando uma nova brecha para se apresentar. Chorou sufocada no banheiro porque não houve um só lugar em seu corpo que não estivesse possuído por aquela dor, se acumulando a tantas outras já disfarçadas com excesso de trabalho.

Eu a ouvi em seu silêncio. Reconheci todo o seu pesar sem qualquer fala. Ela, suponho, saiu sem olhar para trás, com passos firmes, cabeça erguida, mãos nos bolsos do casaco, se escondendo sob os óculos escuros e um sorriso triste. Não deve ter se virado para trás e, se não me engano, se despediu com mais intensidade do que havia planejado. Vazia, tinha se desfeito da última caixa na noite passada. Vazia, deve ter querido te contar sobre isso dentro daquele último abraço, mas o frio entre vocês foi ainda maior que o que vinha de fora. Ela quis, ainda, te dizer que bastava. Bastava de continuar se fazendo tão pequena por uma culpa que não deveria levar sozinha. Bastava de se sentir menos que você e todo seu orgulho de macho ferido. Bastava de engolir em seco para não te magoar, enquanto você fazia questão de marcá-la bem profundamente com dor sempre que possível. Quis, mas não o fez. 

Chegou com o cabelo molhado, pude ver que buscou uma toalha por ali também. A chuva deve tê-la acompanhado até bem distante, sem desvio, sem procura por abrigo, enquanto dissolveu tudo que pensou jogar sobre você. E preferiu se manter sem dizer nada, tive certeza, quando recorreu aos fones de ouvidos. Lia em seu cansaço que havia escutado além do que julgava merecer. Perdida em pensamentos, vez ou outra, franziu os lábios num riso invertido. Com olhar distante, notei que tentava guardar alguma coisa. Algo que me pareceu específico para que não lhe restasse qualquer dúvida. Uma pena, mas não pude ver o que lhe sobrou. O pior de tê-la observado era reconhecer que seguiria sem sentir muito por algum tempo. Sem sentir pela mulher que se fez para agradar todos os seus desejos, saciando seu corpo no calor do dela, ou pela menina que acreditou que você seria muito mais do que realmente é. Contudo, com o que vi, ela iria realmente sentir muito quando conseguisse aceitar que não caberia num espaço tão pequeno e entender que a mulher ardente era a mesma menina sonhadora perdida em todo aquele vazio. Ainda que houvesse mais em suas mãos, quem dera se esse tão pouco tivesse vindo de outra direção.

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