sexta-feira, 27 de junho de 2014

Você vai precisar saber disso

Não que eu queira te abalar, só que me encontrei com ela noite passada. Ela está bem, os lábios ainda delineados por batom vermelho e os olhos, grandes, confiantes, ávidos por continuar. Desculpe a franqueza, mas, em nada mais você parece participar dessa busca, ela quer algo que não conseguiu conhecer ainda.

Quando se levantou, para conferir a maquiagem ou cumprimentar alguém no espaço ao lado, não me lembro ao certo, não pude deixar de passar os olhos pelos rabiscos que ela trazia na bolsa aberta sobre a cadeira. Até pensei em não comentar nada contigo, cara, mas, você vai topar com isso a qualquer momento. Ela não vai te impedir, nem tentar te convencer de que foram mesmo o melhor para outro. Não tem certeza sequer se foram algum dia, não depois que a paixão acabou e que, como ela buscou definir etalvez tentando apagar qualquer vestígio de crueldade, cortou num traço firme da caneta, "só restou isso, com gosto de bebida quente esquecida num copo em cima da pia"

Enquanto observava os drinks descansando sobre a mesa, notei que você não terá mais que se preocupar com as marcas do batom escuro em suas taças. Precisará é se reabituar a escolher sozinho o restaurante e a pedir porções menores. Não poderá culpá-la mais pelos pratos em tamanho família. "Demorei?", assim interrompeu meus pensamentos. Acho que sorri. "E quanto às fotos?", suspirou, girando o que não havia se derretido das pedras de gelo. Por fim, decidiu que manterá vivos os sorrisos de vocês num canto, sob outras imagens no mural, enquanto houver espaços para eles. Não será para se debulhar em lágrimas, já que aprendeu que todo fim deveria ser doído, apenas para não ter que se confrontar com a situação de te esquecer.

A verdade é que ela tá evitando se debruçar sobre o que não é mais, nem ousou espiar o que ficará da ausência. Tá tentando não bater de frente, não gritar ao mundo e receber em eco que não haverá mais nada para vocês.

Sei que depois que se olharem nos olhos e dizerem adeus, ela vai procurar alguém para desabafar. Não o travesseiro, como deve ter feito, ensaiando essa força forjada para te arrancar da rotina. Ela acredita haver palavras para se dizer e ouvir quando muda a direção. Precisará confessar a alguém a sua culpa, por não tê-la atendido enquanto ainda acreditava que vírgulas eram melhores que pontos finais, e a dela, por ainda levar um pouco do que poderia ter te mantido em mais alguns passos da estrada. 

O engraçado é que parece que ela não vai mudar em quase nada. Vai continuar gostando de dormir até mais tarde nos sábados, mesmo que não seja entre os seus braços. Não vai perder o gosto por matérias políticas, mesmo que não tenha com quem retrucar por pensar diferente. Suas coisas continuarão sendo suas, suas palavras continuarão sendo suas, seus dias continuarão sendo seus e, bem, quanto aos seus, de quem você escolher dá-los. Isso não a incomoda mais. Ou, talvez, ainda. 

Não se assuste, mas, desta vez, acho que ela não vai enlouquecer.

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