quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Sororidade, conhece?

Tive medo de tudo. Tive medo de não ser aceita por não concordar mais com certas coisas. Tive medo de não me encaixar mais nos espaços já tão bem conhecidos. Tive medo de perder mais do que ganhar. Tive várias coisas que me deixavam muito inseguras (e, na época, não reconhecia como resultado de opressão). Aquele medo que se tem quando se aproxima do feminismo (tirando a parte das idiotices que dizem sobre mostrar peitos na rua, não se depilar, virar aborteira, querer arrancar os pintos dos homens... inclusive, não tô julgando) e achava que poderia ser um grande exagero ou que não precisava daquilo realmente. Mas, não foi só com o medo que me encontrei. Tive apoio. Tive exemplo. Tive conhecimento. Tive empatia. (Rapidão: ainda tenho medo de muitas coisas. Muito mais que antes até) Então, fui conhecendo perspectivas, pessoas, estudos, denúncias, aí, um dia qualquer, sei lá, bati com o termo "sororidade". Faz tempo, confesso, e eu já estava vivendo isso antes mesmo de saber que tinha um nome esquisito. 

Primeiro, dicionário:

so·ro·ri·da·de 
(larim soror-orisirmã + -dade)
substantivo feminino


1. Relação de uniãode afeição ou de amizade entre mulheressemelhante à que idealmente haveria entre irmãs.

2. União de mulheres com o mesmo fimgeralmente de cariz feminista.

"sororidade", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/sororidade [consultado em 16-10-2018].


Segundo, vida real:

A capacidade de nos enxergar nas outras mulheres nos ajuda a fugir de julgamentos prévios. É reconhecer que o que dói na outra (ainda que em proporções e contextos diferentes) dói em mim porque somos vítimas de um mesmo sistema patriarcal e cruel com as mulheres. Não tem nada a ver com amar todas as mulheres incondicionalmente nem passar a mão na cabeça umas das outras independente de suas escolhas e ações - a sororidade não é defesa classista alienada, não somos obrigadas a aplaudir ou apoiar qualquer coisa só por ter sido realizada por mulheres. 

Há uma carga social muito prejudicial à evolução de cada uma de nós. São muitos "não faça", "não seja", "não pode", "não consegue" jogados em nossa existência restrita à aprovação masculina. Olhar para o lado e receber um "tamo juntA" é estímulo real para provar que, sim, nós podemos, para saber que há mais braços lutando com você, mesmo que em outros ringues, e para nos encorajar a seguir. Estamos aprendo a viver sem tanta limitação - errando e aprendendo neste processo, com certeza -, por isso é preciso parceria e cuidado umas com as outras, tem sido difícil para todas reconstruir papéis tão marcados (sutilmente ou não) por submissão e opressão. Ser respeitada por alguém à nossa altura aumenta em dobro a autoconfiança .

Na prática, é deixar de rotular mesmo. Não, ela não é piriguete porque também tá de papinho com o seu crush (crush que não está em um relacionamento com você ou, se tiver, que ela pode nem saber - antes que você se antecipe). Não, ela não é fútil por gostar de sapatos e batons. Não, ela não é puta por transar com quem teve vontade. Não, ela não é burra por ser loira. Não, ela não é mentirosa porque resolveu denunciar agressão depois de certo tempo. Não, ela não é interesseira porque prefere homens mais velhos. Não, ela não é feia porque você é muito insegura em relação a você mesma. Antes de colar o adesivo na cara da outra e apoiar discursos machistas que sempre tentaram nos tornar rivais e enfraquecidas como grupo ativo na sociedade, neutralize seu olhar, princesa. Encarar mulher como "inimiga" joga você lá na posição de estar reproduzindo o que também te diminui.

A nossa sensibilidade, ao livrar outras mulheres de olhares carregados por conceitos antecipados que as reduzem, causa impacto nos nossos posicionamentos e questionamentos sociais inclusive. O fato de eu me incomodar e me expressar contrária à avaliação negativa feita a uma mulher por, sei lá, forma como se veste ou quantos parceiros escolhe ter na vida, me reposiciona dentro do ciclo de fortalecimento do machismo. Eu deixar de me calar é tipo deixar de consentir que realmente é verdade que, se não eu seguir o padrão de repressão imposto, me torno uma mulher pior ou merecedora de menos respeito. O fato de decidir "tomar as dores" de quem está sendo sofrendo injustiça diz mais sobre humanidade que sobre luta feminista até.

domingo, 7 de outubro de 2018

Seja mais por você

E se você parasse para pensar no quanto se desgasta para manter os outros inteiros?

Então...

Encolher o que você é por medo - seja de desagradar ou de perder o que talvez nem possua realmente - é desleal com você mesma, com todas as batalhas que sangrou até vencer, com todas as vozes que já bradaram por você. Esforce-se para ser mais, nunca menos.

Respeitar o seu tempo é parte do seu processo de evolução. Entender que o seu tempo de choro ou de luto não te torna fraca? Parte do seu processo de evolução. Entender que pensar um tiquinho mais em você não te torna egoísta? Parte do seu processo de evolução. Entender que o que você tem a oferecer pode não ser o que esperam de você? Parte do seu processo de evolução.

Confiar de verdade no que te move te faz o melhor do que pode ser, então não abra mão do que vale tanto para você para dar conforto ao que te cerca. Não tolere o que te diminui em troca de qualquer coisa que seja. Não se culpe por sentir mais do que algumas pessoas - ou menos. Não passe por cima de ninguém, nem de você mesma. E, principalmente, não acredite que o seu bem-estar valha menos que o do outro.

Você sempre quis ser forte e, sei, não imaginava ter que enfrentar tanto para se tornar assim, mas, agora, acalma o seu coração, respira fundo, balança a poeira e segue em paz. Na sua paz.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Eu e ele (o feminismo, no caso)

Vamos começar quebrando paradigmas: feminismo não é o oposto de machismo. Não dê calundu, não não adianta espernear, blá blá blá blá blá... Os dois termos não são dicotômicos! Machismo é VIOLÊNCIA de gênero, seja lá como for manifestada (física, verbal, moral, psicológica, patrimonial, sexual), e é respaldada por sistemas patriarcais, que definem uma posição de inferioridade, submissão e subserviência à mulher. Feminismo é luta contra um sistema de dominação que assegura privilégios para alguns (alguns que, no caso, são exclusivamente os homens). As posturas de um homem machista nunca equivalerão às posturas de uma mulher feminista. Um lado é oprimido, o outro, opressor.

Outra coisa que deve ficar clara sobre o funcionamento da nossa sociedade: a generalização do comportamento machista denuncia, a generalização do comportamento da mulher discrimina. Sinto muito, mas tem sido bem assim (e sinto mesmo, na minha própria pele inclusive). Logo, meu conselho para os homens é que, antes de invocarem a máxima "ah, mas nem todos...", reflitam se realmente não reproduziram/reproduzem o comportamento referido e, caso sejam isentos no caso específico, ao invés de debater com quem aponta a situação, pensem em como podem ajudar o mundo e conscientizar outros caras a se reposicionarem. O "mas nem todos" como resposta só tenta desqualificar a fala de quem está se queixando e, como sempre, defender o gênero masculino. Se o ataque não traz o seu nome expressamente, ser macho, engole o "mas nem todos" - ele é primário demais. É mais evoluído trabalhar para mudar as situações que geram as generalizações.

"Ah, mas nenhum homem vai te querer tão feminista sei que lá..." 
1º A minha resposta para este apontamento é que, por eu ser tão feminista, eu não vou querer nenhum homem que seja machista demais para mim
2º Não estou atrás de aprovação para os meus questionamentos. O feminismo, entre milhões de coisas, me ajudou a ressignificar minha necessidade de aceitação masculina - porque eu já sou capaz de me enxergar como um ser humano que constrói juízos e valores razoáveis sozinha. 
3º Por eu ser hétero e me apaixonar rotineiramente por caras comedidos (mentira, trago alguns bem incoerentes também na minha jornada, manas!), não posso aceitar que todos os homens sejam iguais! Isso acabaria com minha vida (especialmente, sexual)! Eu teria que me tornar uma eremita ou me encaixar em qualquer relacionamento bosta com qualquer homem bosta que se orgulhe da sua posição de privilégio e não tenha o menor interesse de, sequer, tentar entender que é preciso melhorar o mundo para mim (isso mesmo, porque um mundo melhor para as mulheres será um mundo melhor para mim). Há indivíduos mais fãs da masculinidade tóxica que outros.

Continuando, o feminismo não é simplesmente sobre mulheres que querem ocupar lugares dos homens (cá entre nós, os boys andam aproveitando tão mal os espaços que dominam, mas não é só isso), vai bem mais além. O feminismo quer nos proporcionar liberdade para escolher quais serão os nossos próprios lugares. É sobre poder escolher usar a vassoura ao invés de tê-la como brinquedo quando crianças, é sobre não precisar se sentir responsável por manter tudo em ordem (ambientes e relações), é sobre não ser vista sempre com propriedade de um homem (pai e/ou irmãos) a ser repassada para outro homem (esposo), é sobre ter o conforto de ser notada como além do ser que precisa seguir padrões para ser aceita, é sobre viver em uma sociedade que seja segura e não se tornar vítima das distorções que resultam em tanta violência de gênero, é sobre ser o que é sem precisar pedir desculpas ou por favor por isso.

Pensa comigo, os dinossauros dominavam todo o planeta e tal... Mandavam em todas as áreas, aí, de repente, do nada, pow! Tudo mudou e eles nem existem mais. Então, será preciso mais que discursos do tipo "as coisas sempre foram assim e sempre serão" para me convencer a desistir de acreditar que podem haver mudanças, que pode haver evolução na nossa sociedade (inclusive com você, que não dá crédito ao que está lendo!)... Sim, nós podemos!