segunda-feira, 17 de abril de 2017

Sobre o que não chega ao fim

Mesmo assim, sem consentimentos, me tiraram a energia e propuseram qualquer outra fonte que me mantivesse, ao menos, com o coração a bater. E ele bate. Se alternado entre sobressaltos e sussurros, entre esperas e corridas, entre abafos e explosões. Você, antes mesmo de mim, saberia: tenho medo do que virá sem nos termos. O que trago de você é muito grande para se tornar vazio.

Preciso me desculpar pelo pavor de me arriscar agora. Não foi assim que me ensinou, mas tenho sido medo o tempo todo. Sido o medo de dar o próximo passo, cair e não ter como me levantar. Sido o medo de continuar, me perder e ter que aceitar não haver mais para onde voltar. Fiz meu porto onde seus pés estivessem, e ali sempre teria minha terra firme. Nunca houve no mundo um lugar mais seguro que seu colo para mim. E não só por ser acompanhado de dedos se envolvendo em meus cabelos, num cafuné tão só seu, mas, principalmente, por eu me lembrar desse refúgio sempre disponível desde muito cedo. Contei com ele de menina a mulher, sem ter feito a menor diferença o peso de toda essa transição.

Desculpo-me, também, por tantas lágrimas. Elas sempre brotaram em mim. Brotaram quando não queria sair de perto de você, quando nos restavam apenas acenos do carro pelos fundos da casa. Brotaram quando não nos entendíamos. Brotaram na minha própria incapacidade de dar fim às suas angústias. Brotaram sempre que me tocava da grandeza do que nos tangia e, desesperadamente, precisava te pedir para que nunca se desprendesse. Brotaram sutis quando eu não conseguia sustentar a nossa eternidade.

Mas me faço mais em gratidão. Agradeço por nossas conversas. Conversas de cozinha, de banheiro com porta aberta, deitadas antes de dormir, nos percursos ao telefone, nas distâncias que nunca foram tão reais como têm sido agora. Agradeço também por ter me dado flores, músicas, chás e novelas. Guardo todos para repartir. E como não te agradecer por esta certeza? Certeza de que nada poderá ser maior que o nosso nó, nem todo esse peso que tenho trazido nos últimos dias.

Não é fraqueza ser tão franca, é que eu realmente tenho sentido muito. Sentido a cada vez que não posso te ligar para contar da rotina. Sentido por ímpetos que não serão acalentados em seus braços. Sentido pelas vezes que não nos deitaremos no sofá para, pela enésima vez, assistir ao mesmo filme de cachorro. Sentido por não haver mais necessidade de cuidado, de chocolate com amendoim ou castanha, de unhas pintadas e tardes com pinças e esfoliantes. Sentido por nossas parcerias desfeitas, nossas aulas de yoga, nossos sucos na confeitaria, nossas visitas inesperadas. Sentido porque perderei seu cheiro de hidrante com alguma coisa mentolada por trás. Sentido por não ter sua mão com dedinhos tortos para mexer na espera de uma consulta. Sentido por não ter mais suas frases geniais para me orgulhar em conversas quaisquer. Sentido muito por ainda precisar tanto de você para seguir qualquer rumo.

Sei que não deveria chorar. Mas, com êxito, tenho, no máximo, concentrado esforços para respirar. Não que você não mereça uma porção de sorrisos ao ser lembrada, não que eu não queira esvaziar um pouco do cinza que me cerca, só não consegui me preencher com outra coisa além da sua ausência. Você me viu chegar, eu te vi partir e o que vimos juntas nesse intervalo se tornou a própria existência. Nunca precisamos nos doar uma a outra, já éramos entregues. Agradeço pela chance de termos nos tido assim e, bem por isso, tem sido tão duro seguir sendo só metade.



Um comentário:

  1. Meus sentimentos e minhas maiores alegrias de infância vinculadas à figura de Tia Maria. Certamente onde estiver, estará olhando todos nós netos, filhos, com todo amor e carinho...
    Te amo Tia Maria...
    Iury Silva o mais velho dos netos...

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