domingo, 25 de novembro de 2018

Não-Violência Contra a Mulher e as leis no Brasil

Dia 25 de novembro foi instituído pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas como o Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher. A escolha da data se relaciona ao brutal episódio do assassinato de "Las Mariposas" pelo ditador Rafael Leônidas Trujillo, da República Dominicana - três irmãs que combatiam fortemente aquela ditadura e pagaram com a própria vida em 1960. Hoje, em 2018, ainda trilhamos passos incertos quanto à nossa segurança doméstica e social como mulheres. E precisamos de ajuda. Ajuda para, por meio do ordenamento jurídico brasileiro, conseguir enfrentar danos causados por tanto machismo na nossa sociedade. Precisamos de ajuda porque 1 estupro é registrado a cada 11 minutos no país*. Precisamos de ajuda porque é registrado 1 feminicídio a cada 2 horas no país*. Precisamos de ajuda porque se tem registro de 503 mulheres vítimas de agressão a cada hora no país*.

Precisamos da Lei Maria da Penha porque, no nosso sistema punitivista, é preciso criminalizar condutas para tentar coibi-las. É um meio de mostrar que, apesar da usualidade no patriarcado, a mulher não é menor. Vamos encarar a Lei como uma forma de "educar". "Educar" o pai ou o irmão para que ele entenda que não tem a função de delimitar até que ponto ela pode ir antes de merecer uma surra. "Educar" o namorado ou marido para que ele entenda que não detém a posse (física, sexual, psicológica, patrimonial ou moral) da sua parceira. "Educar" o cara para que ele entenda que o corpo da mulher não está disponível para ele pelo simples fato da sua existência e que a vida feminina não é descartável ou menos valorosa que a dele e a dos "brothers" dele. "Educar" um tanto de babaca que não entende que "não" é "não" quando sai da boca de um mulher também - mesmo que ela esteja se acabando numa festa de Carnaval, mesmo que tenha havido consentimento anteriormente, mesmo que exista uma relação estável, mesmo que ela não tenha condições de oferecer resistência e dizer "não" (quando a mulher está vulnerável, por exemplo, devido ao consumo de álcool ou qualquer coisa que afaste seu discernimento).

Precisamos da Lei do Feminicídio porque o Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo por questões relacionadas à condição de gênero. Não é morte de mulher em geral, tipo uma mulher que é vítima de latrocínio, ou vítima de disputas do tráfico, ou vítima de uma briga entre torcidas, ou vítima de uma "bala perdida"... Não! É mulher que morre porque alguém achou que ela não poderia sair de um relacionamento - ou que ela deveria entrar em um. É mulher que morre porque resiste ao sexo sem preservativo ou ao sexo de qualquer forma. É mulher que morre porque precisa cobrar pensão alimentícia para os filhos. É mulher que morre porque o cara não quer assumir o filho. É mulher que morre porque "desonra" a família. É mulher que morre por ser enxergada como o lado "vulnerabilizado" ou "hipossuficiente" da relação.

Precisamos da Lei 13.718 /2018, que, por exemplo, torna crime a importunação sexual, a divulgação de cenas de estupro e a "pornografia de vingança" e aumenta as penas para o estupro coletivo e o estupro corretivo. A mulher não deveria ser alvo de um babaca que não consegue manter o zíper da calça fechado. A mulher não deveria ser exposta por quem confiou e dividiu sua intimidade. A mulher não deveria ser "ensinada a gostar" de pinto. Só que o ódio do machismo valida essas condutas contra as mulheres o tempo todo e violenta, quando não fisicamente, moral e psicologicamente pessoas que terão de lidar com os desdobramentos desses crimes por toda a vida, o mínimo de retratação à vítima é o reconhecimento social da sua situação de vítima - por isso precisamos de leis que assegurem, ainda que minimamente, dignidade à condição de mulher no nosso país.


Vou explicar rapidinho três condutas criminalizadas na Lei 13.718/2018:

Importunação sexual se diferencia do estupro pela forma que a violência ocorre, já que acontece quando alguém pratica ato libidinoso sem que a outra pessoa autorize, sem que haja "agressão" ou grave ameaça à vítima. São os casos dos caras que se masturbam próximo a mulheres em público, ou dos caras que "encoxam" mulheres em transportes públicos, ou dos caras que acham que seus pintos são bonitos demais e devem ser vistos mesmo por quem não tem interesse... A pena é de reclusão para esse tipo de crime é de um a cinco anos, se o fato não constituir crime mais grave

- Pornografia de vingança é "expor publicamente fotos ou vídeos íntimos de terceiros, sem o consentimento dos mesmos, mesmo que estes tenham se deixado filmar ou fotografar no âmbito privado" - é o caso de quem compartilha nudes que recebeu ou que fez num momento de intimidade com a outra pessoa. A pena é de reclusão é de um a cinco anos, se o fato não constituir crime mais grave, e pode ser aumentada de 1/3 a 2/3 se o crime for praticado por quem tinha alguma relação íntima com a vítima ou com a intenção de vingança ou humilhação

- Estupro corretivo é o crime de estupro cometido para controlar o comportamento
sexual ou social da vítima - são os casos de estupro em que as vítimas são mulheres lésbicas, para haver uma “correção” de sua orientação sexual, ou cometidos como “controle de fidelidade”, em que parceiros ameaçam a mulher de estupro por todos os amigos ou
membros de gangues se forem infiéis a seus “companheiros”. A pena de reclusão dos estupros cometidos nessas condições é aumentada de 1/3 a 2/3.

(Não sou bacharela em Direito - minha formação é em Jornalismo -, então, minha perspectiva neste texto está muito mais ligada a uma abordagem social da nossa legislação, certo? Não tenho conhecimento nem arrogância suficientes para levantar uma discussão mais legalista e essa nem é a ideia do post, certo?)

*Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2017

sábado, 3 de novembro de 2018

Dados lançados

Todos os seres humanos, a grossíssimo modo, são iguais. Trazemos cargas genéticas que já se cruzaram em algum momento na história da evolução, compartilhamos funcionamentos biológicos, bioquímicos, psíquicos tão característicos, precisamos todos de oxigênio para continuar nossas existências... Aí, eu preciso dizer que somos, desde sempre, iguais tratados desigualmente em nossas relações sociais.

"Ai, ela vai começar com mimimi sei quê lá..." Vou começar com "mimimi" sim! Porque, se você enxerga questões de classes como frescura, estão sendo pouco estudadas por você. 

Na teoria, juridicamente, seríamos todos iguais, gozando dos mesmos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade... (Constituição do Brasil de 88 é muito MARAVILHOSA! Sério! Façam essa leitura!) Na prática, nas convivências, no dia a dia, na labuta para sobreviver em nossa pátria amada, as coisas NÃO SÃO ASSIM. Não são. E sua percepção deve ser bem inocente ou doente se você discorda disso.

O Brasil é machista. É. Machista. Isso mesmo. Moldado para favorecer os homens em detrimento das mulheres e respaldando violências de gênero dentro de uma visão patriarcal nos âmbitos trabalhistas, domésticos, sociais... Por isso, reconhecendo essa deturpação de valores, políticas públicas e leis são criadas para assegurar que esta terra seja um lugar justo e seguro para as fêmeas humanas também. Colocando em números, em dados concretos, apresentados pelo Mapa da Violência 2015 ou pelo Atlas da Violência 2018, o homem hétero tem tanta certeza da sua "superioridade" por aqui que alcançamos as seguintes marcas:
  • 5ª maior taxa de feminicídio do mundo - isso considerando apenas os casos que realmente são notificados por suas circunstâncias ligadas ao gênero. O número de assassinatos de mulheres chega a 4,8 para cada 100 mil brasileiras;
  • 193 mil mulheres registraram ocorrências de violência doméstica no ano passado. A Lei Maria da Penha foi acionada por 530 mulheres por dia - mais ou menos 22 por hora;
  • 164 estupros por dia registrados em 2017 - média de um a cada 11 minutos. Como a notificação à polícia desse tipo de crime é muito baixa, estima-se que este número represente menos de 10% dos casos que realmente acontecem no país.
O Brasil é racista. Não tenho propriedade para falar como vítima aqui, mas é visível o quanto é fácil caracterizar as desigualdades implícitas nas relações cotidianas - mesmo assim, o racismo e a injúria racial são crimes e precisam ser tratados dessa maneira. Toda miscigenação do nosso povo não é o bastante para anular diferenciações sociais baseadas em cor da pele de cada um.
  • De acordo com o Atlas da Violência 2017, a população negra corresponde a maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios;
  • Dados do Atlas da Violência 2018 apontaram que a taxa de homicídio, em 2016, foi de 5,3 a cada 100 mil negras; e de 3,1 a cada mil 100 mil mulheres brancas. Uma diferença que chega a 71% entre as raças;
  • Com 726 mil presos, o Brasil tem terceira maior população carcerária do mundo - perde só para EUA e China. Levando em conta a cor da pele, 64% da população prisional são pessoas negras, apontam os dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias apresentados em 2017;
  • Em média, os brasileiros brancos ganhavam, em 2015, o dobro do que os negros: R$1589, ante R$898 mensais, aponta a ONG britânica Oxfam, dedicada a combater a pobreza e promover a justiça social.
O Brasil é homofóbico - líder nas mortes de LGBTs no mundo. As aberrações odiosas cometidas contra gays, travestis e trans mostram o quanto a heteronormatividade deturpa o conceito de igualdade entre os seres humanos - tornando "repulsiva" e "banal" a existência de quem diverge da categorização rígida de uma cultura patriarcal. Dados do levantamento realizado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) em 2017 confirmam isso:
  • Foi registrada uma vítima fatal a cada 19 horas em consequência de preconceito quanto à sua sexualidade.
  • Das 445 mortes registradas em 2017, 194 eram gays, 191 eram pessoas trans, 43 eram lésbicas e cinco eram bissexuais;
  • O ódio por essa população só aumenta. O saldo de crimes violentos em 2017 foi três vezes maior do que o observado há 10 anos.
Ou seja, os seres humanos são percebidos igualmente na nossa sociedade desde que sejam homens, brancos e héteros. Ah! E sem limitações físicas ou cognitivas, sejam seguidores de religiões Cristãs, tenham fonte de renda assegurada, sejam moradores de zonas urbanas "desenvolvidas" e sejam indiferentes a ativismos e movimentos sociais.

Daí, a importância de tanto "mimimi". Ter aparato jurídico ou assistencialista, claro, não modifica magicamente toda uma construção de sociedade, mas, começa a mostrar para vítimas que o Estado quer combater essas injustiças e que os agressores deverão ser reconhecidos por seus crimes - porque não, nenhum ser humano deve se sentir seguro para inferiorizar ou violentar o seu semelhante "diferente", ainda que isso seja sistêmico.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Sororidade, conhece?

Tive medo de tudo. Tive medo de não ser aceita por não concordar mais com certas coisas. Tive medo de não me encaixar mais nos espaços já tão bem conhecidos. Tive medo de perder mais do que ganhar. Tive várias coisas que me deixavam muito inseguras (e, na época, não reconhecia como resultado de opressão). Aquele medo que se tem quando se aproxima do feminismo (tirando a parte das idiotices que dizem sobre mostrar peitos na rua, não se depilar, virar aborteira, querer arrancar os pintos dos homens... inclusive, não tô julgando) e achava que poderia ser um grande exagero ou que não precisava daquilo realmente. Mas, não foi só com o medo que me encontrei. Tive apoio. Tive exemplo. Tive conhecimento. Tive empatia. (Rapidão: ainda tenho medo de muitas coisas. Muito mais que antes até) Então, fui conhecendo perspectivas, pessoas, estudos, denúncias, aí, um dia qualquer, sei lá, bati com o termo "sororidade". Faz tempo, confesso, e eu já estava vivendo isso antes mesmo de saber que tinha um nome esquisito. 

Primeiro, dicionário:

so·ro·ri·da·de 
(larim soror-orisirmã + -dade)
substantivo feminino


1. Relação de uniãode afeição ou de amizade entre mulheressemelhante à que idealmente haveria entre irmãs.

2. União de mulheres com o mesmo fimgeralmente de cariz feminista.

"sororidade", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/sororidade [consultado em 16-10-2018].


Segundo, vida real:

A capacidade de nos enxergar nas outras mulheres nos ajuda a fugir de julgamentos prévios. É reconhecer que o que dói na outra (ainda que em proporções e contextos diferentes) dói em mim porque somos vítimas de um mesmo sistema patriarcal e cruel com as mulheres. Não tem nada a ver com amar todas as mulheres incondicionalmente nem passar a mão na cabeça umas das outras independente de suas escolhas e ações - a sororidade não é defesa classista alienada, não somos obrigadas a aplaudir ou apoiar qualquer coisa só por ter sido realizada por mulheres. 

Há uma carga social muito prejudicial à evolução de cada uma de nós. São muitos "não faça", "não seja", "não pode", "não consegue" jogados em nossa existência restrita à aprovação masculina. Olhar para o lado e receber um "tamo juntA" é estímulo real para provar que, sim, nós podemos, para saber que há mais braços lutando com você, mesmo que em outros ringues, e para nos encorajar a seguir. Estamos aprendo a viver sem tanta limitação - errando e aprendendo neste processo, com certeza -, por isso é preciso parceria e cuidado umas com as outras, tem sido difícil para todas reconstruir papéis tão marcados (sutilmente ou não) por submissão e opressão. Ser respeitada por alguém à nossa altura aumenta em dobro a autoconfiança .

Na prática, é deixar de rotular mesmo. Não, ela não é piriguete porque também tá de papinho com o seu crush (crush que não está em um relacionamento com você ou, se tiver, que ela pode nem saber - antes que você se antecipe). Não, ela não é fútil por gostar de sapatos e batons. Não, ela não é puta por transar com quem teve vontade. Não, ela não é burra por ser loira. Não, ela não é mentirosa porque resolveu denunciar agressão depois de certo tempo. Não, ela não é interesseira porque prefere homens mais velhos. Não, ela não é feia porque você é muito insegura em relação a você mesma. Antes de colar o adesivo na cara da outra e apoiar discursos machistas que sempre tentaram nos tornar rivais e enfraquecidas como grupo ativo na sociedade, neutralize seu olhar, princesa. Encarar mulher como "inimiga" joga você lá na posição de estar reproduzindo o que também te diminui.

A nossa sensibilidade, ao livrar outras mulheres de olhares carregados por conceitos antecipados que as reduzem, causa impacto nos nossos posicionamentos e questionamentos sociais inclusive. O fato de eu me incomodar e me expressar contrária à avaliação negativa feita a uma mulher por, sei lá, forma como se veste ou quantos parceiros escolhe ter na vida, me reposiciona dentro do ciclo de fortalecimento do machismo. Eu deixar de me calar é tipo deixar de consentir que realmente é verdade que, se não eu seguir o padrão de repressão imposto, me torno uma mulher pior ou merecedora de menos respeito. O fato de decidir "tomar as dores" de quem está sendo sofrendo injustiça diz mais sobre humanidade que sobre luta feminista até.

domingo, 7 de outubro de 2018

Seja mais por você

E se você parasse para pensar no quanto se desgasta para manter os outros inteiros?

Então...

Encolher o que você é por medo - seja de desagradar ou de perder o que talvez nem possua realmente - é desleal com você mesma, com todas as batalhas que sangrou até vencer, com todas as vozes que já bradaram por você. Esforce-se para ser mais, nunca menos.

Respeitar o seu tempo é parte do seu processo de evolução. Entender que o seu tempo de choro ou de luto não te torna fraca? Parte do seu processo de evolução. Entender que pensar um tiquinho mais em você não te torna egoísta? Parte do seu processo de evolução. Entender que o que você tem a oferecer pode não ser o que esperam de você? Parte do seu processo de evolução.

Confiar de verdade no que te move te faz o melhor do que pode ser, então não abra mão do que vale tanto para você para dar conforto ao que te cerca. Não tolere o que te diminui em troca de qualquer coisa que seja. Não se culpe por sentir mais do que algumas pessoas - ou menos. Não passe por cima de ninguém, nem de você mesma. E, principalmente, não acredite que o seu bem-estar valha menos que o do outro.

Você sempre quis ser forte e, sei, não imaginava ter que enfrentar tanto para se tornar assim, mas, agora, acalma o seu coração, respira fundo, balança a poeira e segue em paz. Na sua paz.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Eu e ele (o feminismo, no caso)

Vamos começar quebrando paradigmas: feminismo não é o oposto de machismo. Não dê calundu, não não adianta espernear, blá blá blá blá blá... Os dois termos não são dicotômicos! Machismo é VIOLÊNCIA de gênero, seja lá como for manifestada (física, verbal, moral, psicológica, patrimonial, sexual), e é respaldada por sistemas patriarcais, que definem uma posição de inferioridade, submissão e subserviência à mulher. Feminismo é luta contra um sistema de dominação que assegura privilégios para alguns (alguns que, no caso, são exclusivamente os homens). As posturas de um homem machista nunca equivalerão às posturas de uma mulher feminista. Um lado é oprimido, o outro, opressor.

Outra coisa que deve ficar clara sobre o funcionamento da nossa sociedade: a generalização do comportamento machista denuncia, a generalização do comportamento da mulher discrimina. Sinto muito, mas tem sido bem assim (e sinto mesmo, na minha própria pele inclusive). Logo, meu conselho para os homens é que, antes de invocarem a máxima "ah, mas nem todos...", reflitam se realmente não reproduziram/reproduzem o comportamento referido e, caso sejam isentos no caso específico, ao invés de debater com quem aponta a situação, pensem em como podem ajudar o mundo e conscientizar outros caras a se reposicionarem. O "mas nem todos" como resposta só tenta desqualificar a fala de quem está se queixando e, como sempre, defender o gênero masculino. Se o ataque não traz o seu nome expressamente, ser macho, engole o "mas nem todos" - ele é primário demais. É mais evoluído trabalhar para mudar as situações que geram as generalizações.

"Ah, mas nenhum homem vai te querer tão feminista sei que lá..." 
1º A minha resposta para este apontamento é que, por eu ser tão feminista, eu não vou querer nenhum homem que seja machista demais para mim
2º Não estou atrás de aprovação para os meus questionamentos. O feminismo, entre milhões de coisas, me ajudou a ressignificar minha necessidade de aceitação masculina - porque eu já sou capaz de me enxergar como um ser humano que constrói juízos e valores razoáveis sozinha. 
3º Por eu ser hétero e me apaixonar rotineiramente por caras comedidos (mentira, trago alguns bem incoerentes também na minha jornada, manas!), não posso aceitar que todos os homens sejam iguais! Isso acabaria com minha vida (especialmente, sexual)! Eu teria que me tornar uma eremita ou me encaixar em qualquer relacionamento bosta com qualquer homem bosta que se orgulhe da sua posição de privilégio e não tenha o menor interesse de, sequer, tentar entender que é preciso melhorar o mundo para mim (isso mesmo, porque um mundo melhor para as mulheres será um mundo melhor para mim). Há indivíduos mais fãs da masculinidade tóxica que outros.

Continuando, o feminismo não é simplesmente sobre mulheres que querem ocupar lugares dos homens (cá entre nós, os boys andam aproveitando tão mal os espaços que dominam, mas não é só isso), vai bem mais além. O feminismo quer nos proporcionar liberdade para escolher quais serão os nossos próprios lugares. É sobre poder escolher usar a vassoura ao invés de tê-la como brinquedo quando crianças, é sobre não precisar se sentir responsável por manter tudo em ordem (ambientes e relações), é sobre não ser vista sempre com propriedade de um homem (pai e/ou irmãos) a ser repassada para outro homem (esposo), é sobre ter o conforto de ser notada como além do ser que precisa seguir padrões para ser aceita, é sobre viver em uma sociedade que seja segura e não se tornar vítima das distorções que resultam em tanta violência de gênero, é sobre ser o que é sem precisar pedir desculpas ou por favor por isso.

Pensa comigo, os dinossauros dominavam todo o planeta e tal... Mandavam em todas as áreas, aí, de repente, do nada, pow! Tudo mudou e eles nem existem mais. Então, será preciso mais que discursos do tipo "as coisas sempre foram assim e sempre serão" para me convencer a desistir de acreditar que podem haver mudanças, que pode haver evolução na nossa sociedade (inclusive com você, que não dá crédito ao que está lendo!)... Sim, nós podemos!

domingo, 23 de setembro de 2018

Reconheça seu lugar

É difícil aprender que você merece ficar bem em tudo que uma relação pode trazer. Ficar bem na cama, na mesa de bar, na frente do espelho, nas ligações perdidas, nas conversas de mais tarde, nas viagens que não deram certo, nos silêncios, nas diferenças, nas certezas e nas dúvidas também... E é tão difícil porque você já viveu/acompanhou desamores suficientes para abalar sua autoestima, histórias pesadas demais que te arrancaram a crença na leveza dos amores, desencantos demais para se autossabotar diante do desinteresse (ou babaquice) do outro. É muito difícil mesmo aprender - especialmente quando você acha estar diante do que seria o melhor sexo da sua vida ou de quem não se incomoda em te acompanhar - que você não deve cortar um centímetro do que é ou do que você merece para caber no lugar que esse alguém tem para te encaixar. 

O processo de aprendizagem é diferente para cada um, inclusive o de se posicionar na vida e nas relações. Entender isso é perceber que não depende só de você o êxito ou fracasso de uma história entre duas pessoas. Assim como você, o lado de lá tem suas limitações - que deverão ser trabalhadas internamente até serem amadurecidas (e você não pode intervir como faz com as bananas compradas verdes na feira, enrolando num jornal e enfiando no forno). Você não tem como assumir responsabilidade alguma com isso na vida de outra pessoa, exceto se for terapeuta do ser em questão. Você é forte à beça, mas esse peso não é carga sua e vai te impedir de se preencher com o que vai te ajudar a ser mais (foge do que suga seus sorrisos, sua sanidade, sua evolução!).

Há espinhos que você traz aí dentro que voltarão a doer se forem apertados. Há marcas que ficarão expostas se você permitir que alguém te molde como melhor lhe convier. Esses pedaços, e tudo mais que já te foi desacerto em algum momento, passaram a ser encarados de outra maneira a medida que você se esforçou e foi se reconstruindo, se tornando o que é. Respeite todos os passos que já deu em terrenos íngremes, as noites insones tentando ficar bem, os sorrisos sem qualquer certeza de que aquilo iria passar. Respeite seu percurso e amadurecimento - eles te fizeram crescer. Você tem tanto a oferecer, não pode aceitar o que não vier completo também.

Não é buscar por alguém perfeito, porque é perda de tempo - na vida real, nem você, nem o Papa Francisco, nem Henry Cavill são assim (por mais que ele pareça muito, é fato que não é). Seu grande encontro deve ser com alguém que você consiga se acomodar sem precisar se diminuir e que possa te acolher como é, sem se incomodar também. Sinta-se confortável ao lado de quem está confortável ao lado da sua grandeza, garota. E você é bem grande (não é arrogância se reconhecer assim), só para constar, ainda que o certo alguém que desperta o sentimento não consiga lidar com isso completamente - o processo evolutivo dele é diferente do seu. O mulherão que você é não deve enfrentar qualquer poda que seja para agradar quem não consegue encarar toda sua intensidade. 


(Eu juro que eu vou levar a sério esse conselho para a minha vida também! Em todos os dias, todos os segundos, todos os "mas, se...")

É verdade esse bilete)

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

É treino

Admiro o cara que gasta gel ornando os fios num penteado tanto quanto a mina que usa seu delineador numa make marota para levantar seus pesos e afins. Eu, na minha realidade - suando feito uma pamonha requentada, descabelada como o próprio sabugo do milho e querendo fugir daquele ambiente como uma pipoca na panela -, não sei ser agradável nem aos olhares alheios. Perdão, pessoas que treinam nas mesmas academias que eu, vocês podem fechar os olhos ao me ver e disfarçar o susto com aquelas caretas de quem tem muitas anilhas para sustentar. Eu tenho me esforçado, ido aos treinos com maior frequência (já sou reconhecida pelos funcionários do espaço), comido menos farofa e mais ovos cozidos, mas, realmente, sinto como se não pertencesse ao ambiente mesmo me empenhando. Tem gente que ama e sente prazer em estar lá, eu, a cada série de agachamento, só sinto vontade de reproduzir aquela cena marcante de GoT:




Agora me explica qual o motivo de eu continuar frequentando um lugar que me causa pesar? Eu tenho uma séria suspeita de que a culpa foi de quando, em algum momento passado da minha vida, eu parei de aceitar o corpo que guardo minha existência devido a expectativas externas. E isso aconteceu cedo demais, eu não tinha nada de maturidade para lidar com isso de outra forma além de aceitar conviver com a frustração eterna de não gostar do que o espelho me mostra. Isso é triste porque faz mal, no mínimo, à minha saúde mental. Isso é sério porque faz mal, no mínimo, à minha saúde mental.

O problema aqui não é a academia ou a cadeira extensora - não tô tentando largar meu projeto. A questão é como tenho me posicionado diante da busca por "padrões" que podem nem ser reais ao estilo de vida ou biotipo que tenho. Tenho sido cruel com meu reflexo no espelho, tenho sido cruel na forma de absorver os comentários alheios sobre o MEU corpo, tenho sido cruel ao ignorar que cada organismo reage de uma forma, ainda que recebendo os mesmo estímulos... E sabe o pior disso tudo? Tem uma porção de mulheres ao meu lado reproduzindo a mesma crueldade com seus corpos e mentes o tempo todo. 

Existe algo muito perverso por trás desses comportamentos de cobranças insanas e que, apesar de toda nossa intelectualidade e protagonismo na busca por mais aceitação e valorização de todas as formas de beleza, nos acerta em cheio - bem no meio do estômago. Já aceitei que isso é real, o
 que eu não vou aceitar nunca é que qualquer ser vivo (ou parasitário) ache que tem o dever de manifestar sua "desaprovação" sobre minha aparência. Estorvo, NÃO FAÇA NINGUÉM SE SENTIR DESCONFORTÁVEL COM O SEU PRÓPRIO CORPO. Pronto. Gritei. 

Você que se acha juiz de físicos, tente ser um ser menos mesquinho. O seu conceito de beleza é seu, foi formado por suas percepções, isso não quer dizer que se sobressai ao das outras pessoas. Pode até parecer um comentário inofensivo no seu ponto de vista, mas você não tem como dimensionar a relação de ninguém com o próprio corpo. Achar que sua opinião é importante e deve ser expressada pode fazer muito mal ao processo de autoaceitação de alguém. Não se incomode se a pessoa está "relaxando com o corpo" (que redução intelectual associar aumento de peso a desleixo) - cuide dos seus próprios ponteiros na balança. Não se incomode se a pessoa está "seca demais" (ou outra observação do tipo: "homem gosta de carne, viu?" - infarto) - sua preocupação continua sendo com o que vai no seu próprio prato. Não se incomode se a pessoa está "muito bombada" - compre um Whey Protein para chamar de seu também, meu bem.

Quanto a nós, sujeitas às loucuras e pressões por "padrões de beleza", o exercício diário é tentar ter a mesma condescendência com você que você tem com sua amiga que é maravilhosa e não consegue se enxergar assim. Tentar aplicar a você o mesmo olhar de admiração por tudo que ela é - mesmo quando jura que não encontra uma roupa que lhe caia bem ou que já tenha sido vencida por três pacotes de Doritos. A pera ser bonita não torna outro tipo de fruta feio - seja melancia, banana ou jaca. 

Eu, por ora, vou manter minha rotina e continuar sendo tão sensual na academia quanto um prato de miojo, porque, posso até ter boa vontade, mas, ainda não tenho a menor paciência para me arrumar para ficar exausta e suada. Quer dizer, depende...

domingo, 9 de setembro de 2018

Enlaçado em nós

Fecha a porta enquanto eu me aninho em sua cama. Vou olhar com desejo para as suas costas nuas e pensar num modo rápido de jogar sua toalha verde no chão do quarto. Deixa a televisão ligada, pouco me importa sobre o que ela canta no meio da noite, nós não vamos perder tempo pensando em tudo que nos levou até ali. Deixa eu te ouvir, mesmo sem dizer nada, só para não perder o encanto de te ver talhando qualquer frase boba com barulho de certeza. 

Não vou segurar o riso, escapando de lado, quando você se desentender com o fecho sob minha camiseta. Mas vou esperar até você começar a reclamar antes de mostrar que é melhor recorrer à destreza que à urgência. Minha atenção, de qualquer forma, vai se voltar para cada centímetro de pele a ser tocado por nosso prazer. Enlaça meus cabelos soltos ao me buscar, prendendo seus olhos nos meus. Minhas mãos também não irão deixar que se afaste. Neste instante, já estarei rendida à dança que você ritmar. Nossos corpos se entendem melhor que nós.

Entre aquelas paredes já conhecidas, nossas curvas se aceitam, sem risco de promessas e versões vãs. Tira meu fôlego com a sua boca, não me importo em perder o ar em sua nuca. Apenas nos deixando levar, tanto faz quem dominar a cena. Enquanto tudo em você me devorar ferozmente, por dentro, não haverá uma porção de mim que não irá querer te prender ao que sou. Sei que caibo em suas mãos, que logo se reconhecem como parte da textura macia da minha tez, por isso não vou me esquivar das suas tentativas de me conter.

Reconheço o perfume da sua pele, saída de banho quente, e vou buscá-lo até me impregnar. Não quero que você se negue a uma vontade nossa que seja. Não há perdas quando a rendição é ao que queima. Por isso, vez ou outra, buscarei um jeito de encontrar seus olhos em meio à nossa desordem - eles sabem o que me dizem, você, não.

Solta seu ar sobre mim, respira pesadamente sobre o meu ouvido. Você sempre se perde quando toco sua fúria, seu medo, sua loucura. Não há espaço para desencaixes quando nos rendemos, só nos resta a vontade de ser. Ser exatamente o que não se poderia ser em qualquer outro lugar. A imprevisibilidade das nossas reações não nos paralisa, é exatamente o não saber o que virá que nos faz querer mais: mais de nós sendo laço. 

A minha intenção ficará clara quando desafiar os seus sentidos. Mesmo sem saber o que se passa por sua cabeça, sei ler o que seu corpo espera. A pouca luz sobre nós não vai me impedir de atiçar todos os seus poros - já que me perder no que possuo de você acaba se tornando minha brincadeira favorita. Recorro ao que te causar arrepios, sussurro o que te desmanchar, derramo o que incendiar o seu ser. A essa hora, nenhuma barreira resistirá à nossa entrega.

Não vamos nos incomodar com a bagunça e o depois. Deixa o lençol desalinhado, nossas roupas esparramadas, nossas urgências esquecidas. Só espero que se lembre de estender seu braço para eu me manter aquecida, entrelaçada ao que sobrou de nós. Não precisaremos de mais nada. Nada além de escolher um filme para o fim da noite e um jeito para recuperar nossas forças. Seu gosto de caos e meu cheiro de ilusão dispensam o que tentar ultrapassar esse jogo.

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Na "brodagem" (é gíria baiana legítima, viu?)

Você está lendo este texto. Parabéns. No Brasil, segundo dados divulgados pelo IBGE em maio deste ano, há mais de 11 milhões pessoas (sigo chocada com esses números) que não poderiam se dar esse prazer por não terem sido alfabetizadas. Então, vou partir do pressuposto que, por meio da leitura, você já sai na frente de muita gente só por conseguir assimilar as ideias expressas em meios escritos, certo? Em regra, você também está em vantagem por ter acesso ao mundo infinito da Internet. É que 39% dos domicílios brasileiros ainda não têm nenhuma forma de acesso à rede, segundo a pesquisa TIC Domicílios 2017, divulgada no mês de julho agora. Você é uma pessoa com vitórias importantes. Parabéns novamente. Mas, vamos lá, né? Isso pode ficar ainda melhor e você se beneficiar ainda mais com os recursos que possui se for sagaz o bastante para entender este post.

Vou ter que contar uma coisa triste para você, meu estimado leitor (é, aqui, pela flexão nominal de gênero, já deu para captar que o texto busca conversar com homens). O mundo é moldado, em sua maioria, para te atender, mas ele não é seu. Olha que loucura! O mundo não é seu, apesar de você ser homem e hétero. Não precisa me ofender agora, até porque o termo "feminista" não é ofensa, é, resumidamente, a nomenclatura de uma corrente que luta pelo fim da dominação de um gênero sobre outro (mas você já sabe disso porque é alfabetizado e tem acesso a muitos bons conteúdos, não é mesmo?).

Vamos lá! Mantenha o seu coração aberto antes de fechar esta página e sair falando mal de mim pros "man". Vou começar sendo cruel logo, tá? Você não é tão foda quanto pensa. O único pica das galáxias que eu conheço é Thanos, pelo motivo óbvio de ter conseguido reunir todas as Joias do Infinito (claro que eu tô torcendo para ele perder este título no próximo filme - sim, me perdoe, só amo a Marvel como filmes, dediquei minhas leituras de gibis na infância à Turma da Mônica - que meus primos tinham assinatura e eu amava ler no vaso sanitário). Você não é tão foda quanto pensa, mas você pode ser foda, sim! O que eu tô querendo deixar claro aqui é que você não é muito foda só por ser homem. Você pode ser muito foda por traços da sua personalidade, por sua inteligência, por sua empatia com as outras pessoas, enfim... Não é ser homem e hétero que te dá a capa do Superman. Você precisa mais que usar o seu pinto em relações sexuais - com mulheres, no caso - para ser alguém digno de admiração.

Vocês, homens, podem até não ser todos iguais, mas têm em comum algo que rege suas vidas: vocês nasceram num espaço que busca sempre fazer com que vocês estejam confortáveis. Confortável quando você trai e isso faz parte do seu instinto, não da sua falta de caráter - quanto à mulher, puta. Confortável quando você não mensura os impactos de violar a intimidade de uma pessoa (mulher também é pessoa) que confiou em você algum momento e compartilha isso com os "brother" - quanto à mulher, puta ou burra - geralmente, os dois. Confortável quando não precisa se preocupar com a risada no final da fala ou a piada sem graça durante a entrevista de emprego - quanto à mulher, puta ou louca, depende de como ficou a contratação. Confortável quando tem liberdade para escolher o quê e como fazer as coisas em seu próprio corpo - quanto à mulher, com certeza, putona. Confortável quando tem mil razões que substanciam sua violência sexual - quanto à mulher, puta porque estava na rua, puta porque bebeu, puta porque dançou, puta porque queria e desistiu, puta porque é uma criança que brinca com seus filhos, puta porque é puta. Ponto. 

Sério, amigos, aproveitem que estão sendo privilegiados - privilegiados em seus salários e chances de crescimento profissional, em seus papéis dentro da reprodução humana, em poder andar livremente pelas ruas - para ter mais a oferecer ao mundo que conceitos repugnantes e subestimados sobre o que imaginam ser mulher nesta nossa terrinha. Nós, fêmeas, temos motivos reais e constantes para enxergar vocês como ameaças, mas não o contrário.

womansplaining: Este texto usou recursos de ironia em seu desenrolar e não tem intenção de acirrar uma "guerra dos sexos" - porque essas disputas de que menino é melhor que menina, e vice-versa, ficaram na minha infância. Hoje, tenho conhecimento para argumentar questões de gênero com um pouco mais de conteúdo, engajamento e, claro, sem a professora para me puxar da briga com algum coleguinha.

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Não a torne difícil

Ela não é a sua cura. Não espere isso dela. Por mais bom ânimo que tenha para te colocar um sorriso no rosto ou recomendar um remédio para suas costas, ela não quer ter o peso de ser solução para todas as dores que passam por seus dias. Ela busca ser a leveza da inspiração, não o fardo da obrigação. Ela não vai se reduzir e, definitivamente, não vai se culpar para atender as suas expectativas. Por mais que vocês se fechem em dois ou três tratos feitos na cama mesmo, com sorrisos e olhares cruzados, antes de se levantarem para um outro banho, não enxergue nisso qualquer possibilidade de se tornarem aprisionamento. Ela quer buscar o melhor dos dias, dos encontros, dos momentos, e não seria diferente em seus braços. Se ela fica, é porque a faz bem ficar.

Ela é o que desata para se reconstruir. Isso acontecerá todas as vezes em que não conseguir dar conta ou em que a dúvida for maior que o riso frouxo. O novo a assusta muitas vezes, só não a leva à estagnação. Ela não sabe não reagir, mesmo quando não faz ideia do que a espera. Ela não tem medo de pagar para ver, ainda que não seja a melhor aposta. Ela não tem medo de tentar outra vez, seja em silêncio ou aos prantos. Não que parta sem dissabores sempre, só que, há tempos, tem se conjugado no verbo ir. Descobriu que pode haver leveza quando se vai com um punhado de bons abraços, ou por uma porção de certezas, ou sem ter medo de voltar também.

Ela gosta de ser crua. Nada que a esconda cai bem em seu tom, seja por sua risada alta, firmeza em sua voz e volume de seus cabelos ou lágrimas - ela não vai conter o que vem de dentro. Ela tem se descoberto a todo instante e talvez, por esta razão, faça questão de não ocultar a versão que traduz dores e superações com as quais tem se reinventado. É escolha sua se fazer assim, despida do que pode haver somente para torná-la mais aceitável. Sua ações não são nunca para torná-la acessível. Antes de mais nada, tem tentado ser para si em todos os momentos. Ser para si mesma quando instiga, quando dança, quando discorda, quando aprende, quando excita, quando transforma, quando para. 

Ela não combina com efemeridade. Nada nela vem sem arrebatar. É rendida ao que pode verdadeiramente durar. Anda de mãos dadas à intensidade e se lança a ela, crendo sempre em sua resistência. Gosta de se aliar ao tempo, nunca de ser sua refém. Segue apressadamente em busca do que acredita, do que causa suspiros e do que precisa de atenção. Você já sabe o quanto ela consegue ser assertiva em suas convicções, não precisa provocá-la se a sua intenção for apenas discordar. Ainda que você não se acostume, ela se fará um poço de forças sem fim na maior parte do tempo, mas não se privará de desabar quando for necessário.

Ela pode ser o que te paralisa exatamente por não querer te manter, a qualquer custo, ao seu lado. Aprendeu que ter troca é melhor que ser só oferta. Ela não vai recuar somente para te manter confortável. Mas, quando realmente for preciso, ela não se incomodará em dar um ou dois passos para trás. Ela não vai te ouvir quando a sua voz buscar silenciá-la. Porém saberá se calar quando for necessário à sua resposta. Ela não vai insistir quando a sua ausência for maior que a distância. Entretanto, enquanto houver cuidado, manterá uma mão ao seu alcance. Ela não vai te apresentar um caminho, não cabe a ela te pedir para entrar. Então, mantenha a atenção para não se perder e para não a perder de vista. Ela não se vê maior do que você e, ainda que seja, não irá te dar um grama a mais do que puder suportar.

Ela costuma saber bem onde quer chegar. Traça com passos certeiros os caminhos que decide trilhar. Sorte sua, vez ou outra, ela se deixa perder em um olhar mais firme. Pode ter sido por curiosidade que tenha aceitado saciar a sede dos seus lábios. Pode ter sido por desejo que tenha abaixado a guarda na segurança dos seus abraços. Pode ter sido por suas confissões que ela tenha se permitido ficar tão à vontade sob os seus sentidos. Não perca tempo tentando decifrá-la. Ela vai saber te deixar sem palavras - numa discussão ou na cama. Ela vai saber te deixar sem ar - numa discussão ou na cama. Ela vai conseguir te tirar do sério - numa discussão ou na cama. É que ela se abre ao que queima, traz e leva fogo quando decide não resistir. Seu corpo é posse de suas escolhas, ainda que rendido ao seu toque. 

domingo, 1 de julho de 2018

Não tenha medo agora

O mundo se abriu para você, menina, e não precisa ter controle sobre isso agora. O novo se mostrará mesmo você achando que os seus olhos não estão preparados. Tudo que te trouxe até aqui servirá como força para ir além. Não se preocupe, o seu caminho já é tão lindo quanto a grandeza da sua existência. Acostume-se, em seu próprio tempo, com o que se abre a você.

Você nunca estará sozinha, menina. Sabe os abraços e lágrimas, as palavras e silêncios, os minutos e esperas dedicados aos que, verdadeiramente, estiveram contigo? Colha-os como o conforto que encherá seus dias, como um punhado de lembranças para aplacar a saudade. Haverá sempre mais de toda essa intensidade à sua espera quando precisar. Suas raízes estão fincadas na firmeza do que você já conhece tão bem.

A distância não vai definir o que você pode ser, menina. Não permita que a dor de uma ausência seja maior que a certeza do amor. Ainda que haja lágrimas no início da jornada, seu coração trará e levará sorrisos dos frutos que você mesma cultivou. Ah! Sobre isso, continue. Não tenha medo nunca de apertar os laços, apesar dos estragos que podem ser causados quando se desfazem. Eles - os estragos - não são para sempre, já os laços, ainda que precisem se afrouxar por um tempo, te permitirão tentar ser o que quiser sem qualquer medo de fracassar. 

Vai, menina, pode seguir. Os seus passos estarão sob os mesmos cuidados. Nunca houve pressa entre vocês maior do que a de se confortar e isso, te asseguro, não mudará. Você não perderá sua essência nem o que foi encontro, continua. Acalma o seu coração e continua. 

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Suporte

Você suporta um pouco mais, menina. Seu cansaço vai tentar te convencer que é arriscado levar, a lugares que insistem em abraçar a ignorância, um pedaço de luz que seja. Você pode, de repente, revelar o que se busca esconder com toda a mesquinharia de padrões confortáveis para quem se enxerga maior do que realmente é. Padrões, inclusive, que precisam esfregar em seu rosto o tempo todo o quanto será difícil não ser conformada com o que eles trazem. Mas, em meio a tantas negativas, forjaram também sua resistência.

Seja suporte, menina. Há tantas como você, inseguras sobre até que ponto podem escolher, marcadas por cortes profundos em suas intimidades, minadas ao se olharem, ainda que sozinhas, em seus próprios espelhos, incomodadas por não conseguirem se acomodar. Há tantas como você, buscando coragem também nos olhos chorosos daquelas que não conseguem se desprender do que tanto causa dor, gritando em silêncio que não cabem mais onde foram lançadas, não aceitando que o aceitável é se calar, é parar, é aceitar. Torne-se mão que seca lágrimas, que freia amarras, que acena por socorro, que segura a barra. Afinal, suas lágrimas também rolam, suas amarras também incomodam, suas fraquezas também precisam de ajuda franca. 

O mundo não precisa te suportar, menina. Seja agradável ao que te enxerga com as possibilidades da sua existência e não escute o que te emudece. Cuidar de si mesma é também se reconhecer da maneira que mais te deixar confortável. Se for preciso, confesse, àquelas que recebem do mundo o mesmo que você, todos os seus medos quando precisa se confrontar - até o de não conseguir mais ficar de pé na luta. Elas enfrentam as mesmas incertezas, ainda que tecidas em outros cenários.

O que te sustenta hoje, menina, é aquilo que suportou em si também o peso de precisar ser mais: outras meninas. Outras meninas que foram desenhando o poder que se pode alcançar sendo mulher. Outras meninas que, exaltadas entre si, são vistas bem pequenas mesmo em suas grandezas. Outras meninas que dizem o que sentem ou ainda não se sentem à vontade para isso. Outras meninas que não conseguem entender o porquê só porque não puderam fazer questionamentos. Outras meninas que, com olhos enganados, enxergam mais nas outras que em si próprias. Outras meninas que são entregues, são trocas, que são loucas, são fodas.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Vestiria nossos sorrisos

Se você ainda estivesse aqui, me levaria pra casa? Me pegaria pelas mãos e me indicaria uma nova direção? No caminho, sei, me diria que tudo vai ficar bem e secaria o meu pranto. Você poderia ir me contando um tanto das suas histórias antigas também. Me colorindo um pouco com seus tons que já conheço de cor. Andando ao meu lado, eu saberia entrar no seu passo. Eu te abraçaria pelos ombros e, quando passassem meus soluços, contaria um pouco sobre a vida com a dor de não te ter. E você me ouviria com atenção, com o dedo sobre a boca e os braços se apoiando. Enquanto seguíssemos sob o céu azul, de uma tarde comum, te juraria não permitir que se tornasse apenas dor o que já foi meu norte. 

Seria um breve desabafo sobre amar, sempre, saudades, pavor... Te contaria que há pouco descobri que nenhuma perda se cura por completo, basta uma coisa maior para que ela volte a apertar. E que ela (a dor) faz parte do que a gente constrói até mesmo em outros terrenos. Falaria que há tanto de você em mim que sua ausência também se tornou o que sou. Me tornei menor depois que conheci a grandeza da sua falta. Talvez, sentindo sua segurança, eu saberia recuperar minhas certezas. Eu te ajudaria a desviar das calçadas irregulares enquanto estivéssemos a seguir. Você me ensinaria a olhar com mais cautela para os lados antes de me decidir.

Eu iria querer reparar no céu que você insistiria em me mostrar. Os detalhes em todas as nuvens que não se repetiriam mais - assim como nós. Nada nos escaparia. Sempre soubemos nos envolver com nossas trocas. Você poderia me prometer que não iríamos nos cansar de continuar nossa caminhada? Não haveria uma estrada sequer para apenas um par de nossas pegadas. E, se o anoitecer se antecipasse e nos levasse a luz, sei que nada nos paralisaria. Seríamos as mãos apertadas enfrentando o que não se pode ver e se guiando mesmo sem reconhecer a trilha.

Buscaria seu cheiro, só para confirmar que não o esqueci mesmo por um dia que se foi nesse último ano. Você deixaria eu ficar por um tempo a mais com o nariz perdido no alto da sua cabeça? Murmurando, além de direção, te pediria cuidado. Teria que te contar como sinto falta da garantia de ter seu olhar, sua aprovação, sua orientação. Não choraria mais nessa hora. Daria um jeito de poder te assegurar umas boas risadas ainda. Fossem frouxas, de encher os olhos d'água, fossem perdidas, misturadas a quaisquer conversas.

Ah, quem me dera ter um pouco mais da paz de estar com você. Hoje, sem poder te encontrar, preciso aprender a vestir sorrisos, não mais sê-los.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

É bom que você saiba

Nossas estradas não vão nos ligar, baby. Nossos pés, que, sei, já pisaram sobre os mesmos cacos, não trilham os mesmos caminhos. Habitamos terras diferentes demais para traçar reencontros. Tô abrindo mão dos sobressaltos nas madrugadas e do celular o tempo todo ao meu lado. Não há mais como insistir sem precisar, antes, destruir do outro lado a admiração que nos atraiu um dia. É melhor parar por aqui, onde tudo parece inacabado, mas ainda há o que pode ser mantido de pé: um sorriso lembrando do outro. 

Quando damos a alguém um lugar em nós, vamos traçando um tanto de detalhes em nossas rotinas que nos tragam um pouco dessa pessoa para perto todo o tempo, e é difícil mesmo ir limpando esses vestígios de vez. Eu, de qualquer forma, não vou esperar que as coisas mudem muito a partir de agora para mim ou para você. A não ser entre o tal "nós" que poderia ter existido e vamos deixar de lado. O "nós" que não vai mais combinar um final de semana que não dará certo. O "nós" que não vai esperar a noite chegar para trocar palavras antes de dormir. O "nós" que não vai precisar pedir desculpas pela falta de sinal nos celulares e pelas viagens de última hora a trabalho. Vou continuar com as coisas que me enchem cabeça por aqui, e você, com as coisas que te enchem a cabeça por aí.

Não vou mais te imaginar se distraindo no meio do expediente ao receber uma foto inusitada, ou esboçando um sorriso para a nova promessa de vida fitness, ou ouvindo mil vezes aquela música que recortei para te encaixar. Não posso te pedir para ficar em um lugar que nunca esteve. Não posso te aceitar em um lugar que eu mesma não posso chegar. Continua a correr em seu mundo, um dia seus passos te levarão aonde planeja alcançar. Se precisar, dê a mão a quem estiver por mais perto. Eu consigo entender que não há culpa em nossa ausência. Não foi por faltar em nós que abandonamos nossas possibilidades, foi por desencaixe. Não vou te tornar maior nem menor do que realmente foi aqui, em mim.

Mantenha nossas trocas em algum lugar que não te cause incômodo - deixei as minhas só em memórias, excluí em todo o restante. Lembranças, às vezes, são mais bonitas que a realidade. Por sorte, não conseguimos carregar o que não nos esforçamos, ao menos um pouco, para manter por perto. Então, escuta o meu conselho: puxe um pedaço do que te fez sentir muito bem desde que me conheceu e guarde para quando precisar se lembrar de que é capaz de conquistar coisas que valem a pena. Pode rir. Gosto do jeito como você faz isso - e essa vai continuar sendo a minha intenção (estou fazendo meu olhar intimidador agora mesmo enquanto te escrevo). Nós nos encantamos porque fomos imperfeitos na medida um para o outro, com todo esse lance de sedução e interesse. Mas, não se preocupe, virão novos encontros capazes de nos tirar o sono e o fôlego num gesto só. Temos potencial.

Tá, a verdade é que, por dentro, ainda vou levar um tempo torcendo para que não seja bem assim como tem que ser. Afinal, ficaram coisas... o sofá à espera de ajuda, a viagem que merece ser feita a dois, o café da padaria, a agenda a ser organizada... Tenho mania de me habituar rápido aos planos. Entretanto, me tornei grande demais para não por a mão na massa e construir o que espero. Você me entende, né? Para continuar insistindo, teria que me encolher a tal ponto que me tornaria irreconhecível até para mim mesma, seguindo o que nos restasse. Desistir também é tentativa, sabia? Tentativa de, em lucidez, reconhecer que seguir o coração pode não ser a melhor escolha. Não é por falta de querer, é por necessidade de sentir o maior do mundo com os próprios sonhos.