sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Na "brodagem" (é gíria baiana legítima, viu?)

Você está lendo este texto. Parabéns. No Brasil, segundo dados divulgados pelo IBGE em maio deste ano, há mais de 11 milhões pessoas (sigo chocada com esses números) que não poderiam se dar esse prazer por não terem sido alfabetizadas. Então, vou partir do pressuposto que, por meio da leitura, você já sai na frente de muita gente só por conseguir assimilar as ideias expressas em meios escritos, certo? Em regra, você também está em vantagem por ter acesso ao mundo infinito da Internet. É que 39% dos domicílios brasileiros ainda não têm nenhuma forma de acesso à rede, segundo a pesquisa TIC Domicílios 2017, divulgada no mês de julho agora. Você é uma pessoa com vitórias importantes. Parabéns novamente. Mas, vamos lá, né? Isso pode ficar ainda melhor e você se beneficiar ainda mais com os recursos que possui se for sagaz o bastante para entender este post.

Vou ter que contar uma coisa triste para você, meu estimado leitor (é, aqui, pela flexão nominal de gênero, já deu para captar que o texto busca conversar com homens). O mundo é moldado, em sua maioria, para te atender, mas ele não é seu. Olha que loucura! O mundo não é seu, apesar de você ser homem e hétero. Não precisa me ofender agora, até porque o termo "feminista" não é ofensa, é, resumidamente, a nomenclatura de uma corrente que luta pelo fim da dominação de um gênero sobre outro (mas você já sabe disso porque é alfabetizado e tem acesso a muitos bons conteúdos, não é mesmo?).

Vamos lá! Mantenha o seu coração aberto antes de fechar esta página e sair falando mal de mim pros "man". Vou começar sendo cruel logo, tá? Você não é tão foda quanto pensa. O único pica das galáxias que eu conheço é Thanos, pelo motivo óbvio de ter conseguido reunir todas as Joias do Infinito (claro que eu tô torcendo para ele perder este título no próximo filme - sim, me perdoe, só amo a Marvel como filmes, dediquei minhas leituras de gibis na infância à Turma da Mônica - que meus primos tinham assinatura e eu amava ler no vaso sanitário). Você não é tão foda quanto pensa, mas você pode ser foda, sim! O que eu tô querendo deixar claro aqui é que você não é muito foda só por ser homem. Você pode ser muito foda por traços da sua personalidade, por sua inteligência, por sua empatia com as outras pessoas, enfim... Não é ser homem e hétero que te dá a capa do Superman. Você precisa mais que usar o seu pinto em relações sexuais - com mulheres, no caso - para ser alguém digno de admiração.

Vocês, homens, podem até não ser todos iguais, mas têm em comum algo que rege suas vidas: vocês nasceram num espaço que busca sempre fazer com que vocês estejam confortáveis. Confortável quando você trai e isso faz parte do seu instinto, não da sua falta de caráter - quanto à mulher, puta. Confortável quando você não mensura os impactos de violar a intimidade de uma pessoa (mulher também é pessoa) que confiou em você algum momento e compartilha isso com os "brother" - quanto à mulher, puta ou burra - geralmente, os dois. Confortável quando não precisa se preocupar com a risada no final da fala ou a piada sem graça durante a entrevista de emprego - quanto à mulher, puta ou louca, depende de como ficou a contratação. Confortável quando tem liberdade para escolher o quê e como fazer as coisas em seu próprio corpo - quanto à mulher, com certeza, putona. Confortável quando tem mil razões que substanciam sua violência sexual - quanto à mulher, puta porque estava na rua, puta porque bebeu, puta porque dançou, puta porque queria e desistiu, puta porque é uma criança que brinca com seus filhos, puta porque é puta. Ponto. 

Sério, amigos, aproveitem que estão sendo privilegiados - privilegiados em seus salários e chances de crescimento profissional, em seus papéis dentro da reprodução humana, em poder andar livremente pelas ruas - para ter mais a oferecer ao mundo que conceitos repugnantes e subestimados sobre o que imaginam ser mulher nesta nossa terrinha. Nós, fêmeas, temos motivos reais e constantes para enxergar vocês como ameaças, mas não o contrário.

womansplaining: Este texto usou recursos de ironia em seu desenrolar e não tem intenção de acirrar uma "guerra dos sexos" - porque essas disputas de que menino é melhor que menina, e vice-versa, ficaram na minha infância. Hoje, tenho conhecimento para argumentar questões de gênero com um pouco mais de conteúdo, engajamento e, claro, sem a professora para me puxar da briga com algum coleguinha.