domingo, 25 de novembro de 2018

Não-Violência Contra a Mulher e as leis no Brasil

Dia 25 de novembro foi instituído pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas como o Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher. A escolha da data se relaciona ao brutal episódio do assassinato de "Las Mariposas" pelo ditador Rafael Leônidas Trujillo, da República Dominicana - três irmãs que combatiam fortemente aquela ditadura e pagaram com a própria vida em 1960. Hoje, em 2018, ainda trilhamos passos incertos quanto à nossa segurança doméstica e social como mulheres. E precisamos de ajuda. Ajuda para, por meio do ordenamento jurídico brasileiro, conseguir enfrentar danos causados por tanto machismo na nossa sociedade. Precisamos de ajuda porque 1 estupro é registrado a cada 11 minutos no país*. Precisamos de ajuda porque é registrado 1 feminicídio a cada 2 horas no país*. Precisamos de ajuda porque se tem registro de 503 mulheres vítimas de agressão a cada hora no país*.

Precisamos da Lei Maria da Penha porque, no nosso sistema punitivista, é preciso criminalizar condutas para tentar coibi-las. É um meio de mostrar que, apesar da usualidade no patriarcado, a mulher não é menor. Vamos encarar a Lei como uma forma de "educar". "Educar" o pai ou o irmão para que ele entenda que não tem a função de delimitar até que ponto ela pode ir antes de merecer uma surra. "Educar" o namorado ou marido para que ele entenda que não detém a posse (física, sexual, psicológica, patrimonial ou moral) da sua parceira. "Educar" o cara para que ele entenda que o corpo da mulher não está disponível para ele pelo simples fato da sua existência e que a vida feminina não é descartável ou menos valorosa que a dele e a dos "brothers" dele. "Educar" um tanto de babaca que não entende que "não" é "não" quando sai da boca de um mulher também - mesmo que ela esteja se acabando numa festa de Carnaval, mesmo que tenha havido consentimento anteriormente, mesmo que exista uma relação estável, mesmo que ela não tenha condições de oferecer resistência e dizer "não" (quando a mulher está vulnerável, por exemplo, devido ao consumo de álcool ou qualquer coisa que afaste seu discernimento).

Precisamos da Lei do Feminicídio porque o Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo por questões relacionadas à condição de gênero. Não é morte de mulher em geral, tipo uma mulher que é vítima de latrocínio, ou vítima de disputas do tráfico, ou vítima de uma briga entre torcidas, ou vítima de uma "bala perdida"... Não! É mulher que morre porque alguém achou que ela não poderia sair de um relacionamento - ou que ela deveria entrar em um. É mulher que morre porque resiste ao sexo sem preservativo ou ao sexo de qualquer forma. É mulher que morre porque precisa cobrar pensão alimentícia para os filhos. É mulher que morre porque o cara não quer assumir o filho. É mulher que morre porque "desonra" a família. É mulher que morre por ser enxergada como o lado "vulnerabilizado" ou "hipossuficiente" da relação.

Precisamos da Lei 13.718 /2018, que, por exemplo, torna crime a importunação sexual, a divulgação de cenas de estupro e a "pornografia de vingança" e aumenta as penas para o estupro coletivo e o estupro corretivo. A mulher não deveria ser alvo de um babaca que não consegue manter o zíper da calça fechado. A mulher não deveria ser exposta por quem confiou e dividiu sua intimidade. A mulher não deveria ser "ensinada a gostar" de pinto. Só que o ódio do machismo valida essas condutas contra as mulheres o tempo todo e violenta, quando não fisicamente, moral e psicologicamente pessoas que terão de lidar com os desdobramentos desses crimes por toda a vida, o mínimo de retratação à vítima é o reconhecimento social da sua situação de vítima - por isso precisamos de leis que assegurem, ainda que minimamente, dignidade à condição de mulher no nosso país.


Vou explicar rapidinho três condutas criminalizadas na Lei 13.718/2018:

Importunação sexual se diferencia do estupro pela forma que a violência ocorre, já que acontece quando alguém pratica ato libidinoso sem que a outra pessoa autorize, sem que haja "agressão" ou grave ameaça à vítima. São os casos dos caras que se masturbam próximo a mulheres em público, ou dos caras que "encoxam" mulheres em transportes públicos, ou dos caras que acham que seus pintos são bonitos demais e devem ser vistos mesmo por quem não tem interesse... A pena é de reclusão para esse tipo de crime é de um a cinco anos, se o fato não constituir crime mais grave

- Pornografia de vingança é "expor publicamente fotos ou vídeos íntimos de terceiros, sem o consentimento dos mesmos, mesmo que estes tenham se deixado filmar ou fotografar no âmbito privado" - é o caso de quem compartilha nudes que recebeu ou que fez num momento de intimidade com a outra pessoa. A pena é de reclusão é de um a cinco anos, se o fato não constituir crime mais grave, e pode ser aumentada de 1/3 a 2/3 se o crime for praticado por quem tinha alguma relação íntima com a vítima ou com a intenção de vingança ou humilhação

- Estupro corretivo é o crime de estupro cometido para controlar o comportamento
sexual ou social da vítima - são os casos de estupro em que as vítimas são mulheres lésbicas, para haver uma “correção” de sua orientação sexual, ou cometidos como “controle de fidelidade”, em que parceiros ameaçam a mulher de estupro por todos os amigos ou
membros de gangues se forem infiéis a seus “companheiros”. A pena de reclusão dos estupros cometidos nessas condições é aumentada de 1/3 a 2/3.

(Não sou bacharela em Direito - minha formação é em Jornalismo -, então, minha perspectiva neste texto está muito mais ligada a uma abordagem social da nossa legislação, certo? Não tenho conhecimento nem arrogância suficientes para levantar uma discussão mais legalista e essa nem é a ideia do post, certo?)

*Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2017

sábado, 3 de novembro de 2018

Dados lançados

Todos os seres humanos, a grossíssimo modo, são iguais. Trazemos cargas genéticas que já se cruzaram em algum momento na história da evolução, compartilhamos funcionamentos biológicos, bioquímicos, psíquicos tão característicos, precisamos todos de oxigênio para continuar nossas existências... Aí, eu preciso dizer que somos, desde sempre, iguais tratados desigualmente em nossas relações sociais.

"Ai, ela vai começar com mimimi sei quê lá..." Vou começar com "mimimi" sim! Porque, se você enxerga questões de classes como frescura, estão sendo pouco estudadas por você. 

Na teoria, juridicamente, seríamos todos iguais, gozando dos mesmos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade... (Constituição do Brasil de 88 é muito MARAVILHOSA! Sério! Façam essa leitura!) Na prática, nas convivências, no dia a dia, na labuta para sobreviver em nossa pátria amada, as coisas NÃO SÃO ASSIM. Não são. E sua percepção deve ser bem inocente ou doente se você discorda disso.

O Brasil é machista. É. Machista. Isso mesmo. Moldado para favorecer os homens em detrimento das mulheres e respaldando violências de gênero dentro de uma visão patriarcal nos âmbitos trabalhistas, domésticos, sociais... Por isso, reconhecendo essa deturpação de valores, políticas públicas e leis são criadas para assegurar que esta terra seja um lugar justo e seguro para as fêmeas humanas também. Colocando em números, em dados concretos, apresentados pelo Mapa da Violência 2015 ou pelo Atlas da Violência 2018, o homem hétero tem tanta certeza da sua "superioridade" por aqui que alcançamos as seguintes marcas:
  • 5ª maior taxa de feminicídio do mundo - isso considerando apenas os casos que realmente são notificados por suas circunstâncias ligadas ao gênero. O número de assassinatos de mulheres chega a 4,8 para cada 100 mil brasileiras;
  • 193 mil mulheres registraram ocorrências de violência doméstica no ano passado. A Lei Maria da Penha foi acionada por 530 mulheres por dia - mais ou menos 22 por hora;
  • 164 estupros por dia registrados em 2017 - média de um a cada 11 minutos. Como a notificação à polícia desse tipo de crime é muito baixa, estima-se que este número represente menos de 10% dos casos que realmente acontecem no país.
O Brasil é racista. Não tenho propriedade para falar como vítima aqui, mas é visível o quanto é fácil caracterizar as desigualdades implícitas nas relações cotidianas - mesmo assim, o racismo e a injúria racial são crimes e precisam ser tratados dessa maneira. Toda miscigenação do nosso povo não é o bastante para anular diferenciações sociais baseadas em cor da pele de cada um.
  • De acordo com o Atlas da Violência 2017, a população negra corresponde a maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios;
  • Dados do Atlas da Violência 2018 apontaram que a taxa de homicídio, em 2016, foi de 5,3 a cada 100 mil negras; e de 3,1 a cada mil 100 mil mulheres brancas. Uma diferença que chega a 71% entre as raças;
  • Com 726 mil presos, o Brasil tem terceira maior população carcerária do mundo - perde só para EUA e China. Levando em conta a cor da pele, 64% da população prisional são pessoas negras, apontam os dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias apresentados em 2017;
  • Em média, os brasileiros brancos ganhavam, em 2015, o dobro do que os negros: R$1589, ante R$898 mensais, aponta a ONG britânica Oxfam, dedicada a combater a pobreza e promover a justiça social.
O Brasil é homofóbico - líder nas mortes de LGBTs no mundo. As aberrações odiosas cometidas contra gays, travestis e trans mostram o quanto a heteronormatividade deturpa o conceito de igualdade entre os seres humanos - tornando "repulsiva" e "banal" a existência de quem diverge da categorização rígida de uma cultura patriarcal. Dados do levantamento realizado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) em 2017 confirmam isso:
  • Foi registrada uma vítima fatal a cada 19 horas em consequência de preconceito quanto à sua sexualidade.
  • Das 445 mortes registradas em 2017, 194 eram gays, 191 eram pessoas trans, 43 eram lésbicas e cinco eram bissexuais;
  • O ódio por essa população só aumenta. O saldo de crimes violentos em 2017 foi três vezes maior do que o observado há 10 anos.
Ou seja, os seres humanos são percebidos igualmente na nossa sociedade desde que sejam homens, brancos e héteros. Ah! E sem limitações físicas ou cognitivas, sejam seguidores de religiões Cristãs, tenham fonte de renda assegurada, sejam moradores de zonas urbanas "desenvolvidas" e sejam indiferentes a ativismos e movimentos sociais.

Daí, a importância de tanto "mimimi". Ter aparato jurídico ou assistencialista, claro, não modifica magicamente toda uma construção de sociedade, mas, começa a mostrar para vítimas que o Estado quer combater essas injustiças e que os agressores deverão ser reconhecidos por seus crimes - porque não, nenhum ser humano deve se sentir seguro para inferiorizar ou violentar o seu semelhante "diferente", ainda que isso seja sistêmico.