domingo, 24 de dezembro de 2017

Mais um pedido

Canta para mim esta noite? Escolha qualquer coisa que me faça sorrir antes que me perca em sonhos. Deixa eu ouvir sua voz arranhada recomeçar a mesma canção até encontrar o tom correto, isso também me fará mais feliz. Canta para mim esta noite, qualquer som me faz sentido quando sai dos seus lábios.

Sonha comigo o futuro? Não o futuro distante, de anos à frente do que temos agora. Há tanto projeto que não posso manter sem te ter. Sonha comigo o futuro para o almoço do próximo domingo, para a viagem em agosto à cidade em que você viveu por tanto tempo, para a lua certa para seu novo corte de cabelo, para mudar as violetas dos vasinhos. Sonha comigo o futuro do que me resta.

Deixa eu deitar em seu colo? Só até eu recuperar minha calma e convencer minha alma de que amar também é sorrir para o que não há. Deixa eu deitar em seu colo apenas para que seu cheiro esteja em mim quando eu me levantar e que eu tenha tempo para percorrer todas as suas sobras de pele com meus dedos enquanto você me faz cafuné.

Divide comigo a tua fé? Lembro que suas preces afugentavam pavores e te tornavam inabalável. Tenho tido medo de escuro. Na verdade, medo de não conseguir me afastar da falta de luz que me cerca quando não sei fugir dessa ausência. Divide comigo a tua fé só para tornar mais leve a espera pelo que virá.

Faz tua morada em mim? Não aqui, entre estas palavras ou em qualquer outro lugar que eu possa não caber mais, mas, em mim. Faz tua morada em mim. Onde eu possa te levar, te cantar e te contar, onde eu não te perca por ter medo nem por não saber te tocar. Faz tua morada em mim, aqui tudo quer te ver em paz, quer te ouvir sorrir, quer te ver viver.



terça-feira, 21 de novembro de 2017

Feito elas

Somos esse conjunto de dores e sabores que nos moldam dia após dia, em meio a escolhas e arrependimentos, a acertos e indecisões. Num caber maior que o imaginar, somos forjadas em prantos quentes e prazeres sóbrios. Nós somos constelações grandes demais, particulares demais.

Costuramos uma porção de marcas. Marcas do tempo, daquela ausência constante. Marcas de sol, daquela caminhada num dia mais quente. Marcas de estrias, de um corpo que se abriu ao que precisava. Marcas de rugas, de choros silenciosos no chuveiro e gargalhadas estrondosas entre nós. Marcas de desencanto, por tantos começos com finais exatamente iguais.

Há colo em meio a nossas dores, por sorte, mesmo contradizendo a tantos rumores, não ficamos menos fortes quando nos mostramos doces. Às vezes, sem escolhas, somos escombros pintados em arte, noutras, a arte de se desmanchar em cacos. Mesmo disfarçadas ou entregues, acredite, não somos apenas o que se pode ver. Se não nos tocar, não seremos nem o que se pode supor sentir.

Não ouse nos limitar. Não há definições em nossos vestidos, nem em nossos cabelos, nem nas cores dos nossos batons (ou na ausência deles), nem nos livros em nossas prateleiras, nem nos pesos em nossas balanças, nem nos amores que buscamos viver (em um dia ou numa vida), nem nas vezes que desistimos, nem nas vezes que desafiamos. 

Trouxemos sempre mais que pedaços de projeções, de conteúdos inferiores, de dores e passados. Há porções frescas do que somos sendo descobertas por nós mesmas a todo instante. Contentem-se com o vislumbrar de toda essa grandeza de mulheres comuns que inspiram até mesmo o mundo a parar de girar.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Antes que eu me esqueça

Senta aqui, do lado de cá. Não quero olhar seus olhos, eles não são mais nada para mim. Eu preciso, na verdade, me desculpar pelo monstro que te tornei. Ele também tem me assustado. Nunca foi minha intenção contribuir para que se tornasse essa pessoa tão mesquinha e vazia. Não, não comece a falar. Ainda não terminei. 

Faz algum tempo que não sou mais seu número. Cresci. Você, não. Não sei se por não querer, ou não poder, mas o fato é que me tornei maior do que pode suportar. Maior até do que já pude supor, confesso, do tamanho dos sonhos que posso construir. E Deus me livre de voltar a ser menor. Quanto ao mérito por esse crescimento, não vou te dar. Nem um grama. Ele é todo meu. Eu me forjei. Eu fui forjada.

Eu quis sair desse lugar te aplaudindo pelo ser que foi há algum tempo. Quis deixar minha mão pendente para segurar uma amizade. Quis saber se as coisas ficariam bem com você. Mas, com tudo que chegou a mim, não preciso. Na realidade, mais do que isso, você não merece, não com todo esse desejo de me machucar.  Não merece sequer se tornar uma lembrança gostosa, uma saudade qualquer. Decidi que tudo que preciso manter de você hoje em dia é aquela carta, com letras marcadas,  em que tentou destilar toda sua pequenez contra a minha autoestima. Preferi ser compreensiva à sua dor e imaginar que uma agressão tão gratuita só poderia vir de quem já traz feridas muito feias consigo.

Acho uma pena que não exista orações e estrofes mais bonitas para desenhar o que nos aconteceu. Acho mesmo. Entretanto, se tivesse conseguido vislumbrar tudo que me vem agora, talvez não tivesse te blindado de toda a minha frustração com silêncios, olhares ou súplicas antes. Você me subestimou ao me colocar como alguém que aceitaria viver só com o seu desamor por toda vida. Até tentei, realmente, em todas as vezes que insisti "porque a gente tinha construído um laço", que continuei "até pelo menos por mais alguns anos quando as coisas deverão se acertar" e que engoli minhas dores "porque seu jeito era assim mesmo".

Há algumas marcas por aqui, e faço ideia do que se tornarão. São cortes profundos demais, talvez virem cicatrizes grandes demais. Contudo, ouvi de alguém, que tem sentimentos mais bonitos por mim que qualquer coisa que você já conseguiu nutrir, que "cicatrizes nos constroem! E a gente usa esse amor aqui pra ajudar a cicatrizar". São essas as certezas que têm me ajudado a seguir pelo que sempre fui, alguém que se move por afeto

Não, não tem nada a ver com ressentimentos este nosso reencontro. Nunca fui do sabor amargo, você já me provou por muito tempo para saber que, mesmo com mil defeitos, esse não faz o meu estilo. Eu não me importo mais com o que você constrói ou se permite. Nenhuma destas minhas palavras, sinceramente, querem te culpar. Não entenda esta conversa  desta  maneira. Tudo que estou te falando é para o meu próprio bem, do qual já havia me esquecido desde quando comecei a me contentar com esse nada. A minha maior sorte tem sido, mesmo recebendo tão pouco de você, não me julgar incapaz de conseguir mais. Meu caminho é cheio de amor, o seu, da incapacidade de amar.

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Como ela chegou

Ela foi rápida ao cruzar a sala de cabeça baixa. Ao sair do banheiro, com o nariz vermelho, reclamou de uma alergia, ou qualquer coisa assim, que lhe causava tanta incômodo nos dias frios. Não era verdade. O rubor da sua face vinha dos olhos, um pouco alterados, nada demais, apenas o suficiente para que tivesse certeza de que havia desatado em lágrimas há pouco. Tentou não conversar. Respondeu tudo monossilabicamente, sem se desviar de um falso interesse à tela. Pude notar, ao engatar em mais de duas ou três palavras, um embargo em sua voz trêmula, como se o choro ainda estivesse ali, escorrendo por dentro, esperando uma nova brecha para se apresentar. Chorou sufocada no banheiro porque não houve um só lugar em seu corpo que não estivesse possuído por aquela dor, se acumulando a tantas outras já disfarçadas com excesso de trabalho.

Eu a ouvi em seu silêncio. Reconheci todo o seu pesar sem qualquer fala. Ela, suponho, saiu sem olhar para trás, com passos firmes, cabeça erguida, mãos nos bolsos do casaco, se escondendo sob os óculos escuros e um sorriso triste. Não deve ter se virado para trás e, se não me engano, se despediu com mais intensidade do que havia planejado. Vazia, tinha se desfeito da última caixa na noite passada. Vazia, deve ter querido te contar sobre isso dentro daquele último abraço, mas o frio entre vocês foi ainda maior que o que vinha de fora. Ela quis, ainda, te dizer que bastava. Bastava de continuar se fazendo tão pequena por uma culpa que não deveria levar sozinha. Bastava de se sentir menos que você e todo seu orgulho de macho ferido. Bastava de engolir em seco para não te magoar, enquanto você fazia questão de marcá-la bem profundamente com dor sempre que possível. Quis, mas não o fez. 

Chegou com o cabelo molhado, pude ver que buscou uma toalha por ali também. A chuva deve tê-la acompanhado até bem distante, sem desvio, sem procura por abrigo, enquanto dissolveu tudo que pensou jogar sobre você. E preferiu se manter sem dizer nada, tive certeza, quando recorreu aos fones de ouvidos. Lia em seu cansaço que havia escutado além do que julgava merecer. Perdida em pensamentos, vez ou outra, franziu os lábios num riso invertido. Com olhar distante, notei que tentava guardar alguma coisa. Algo que me pareceu específico para que não lhe restasse qualquer dúvida. Uma pena, mas não pude ver o que lhe sobrou. O pior de tê-la observado era reconhecer que seguiria sem sentir muito por algum tempo. Sem sentir pela mulher que se fez para agradar todos os seus desejos, saciando seu corpo no calor do dela, ou pela menina que acreditou que você seria muito mais do que realmente é. Contudo, com o que vi, ela iria realmente sentir muito quando conseguisse aceitar que não caberia num espaço tão pequeno e entender que a mulher ardente era a mesma menina sonhadora perdida em todo aquele vazio. Ainda que houvesse mais em suas mãos, quem dera se esse tão pouco tivesse vindo de outra direção.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Dói e nem sempre passa

Há pouco instante, me peguei pensando em você. Comecei com café com pão do fim da tarde, que ainda me faz tanta falta, e fui parar em sua voz que, assumo, precisei puxar do fundo da memória. Ela estava escondida ali, talvez por eu não conseguir imaginar o que me diria para me fazer ser um pouco mais nesses últimos dias. Enfim, voltei ao café ralo e doce com pão ou biscoito, olhei de longe, doeu, saí.

Tô tentando fugir mesmo. Mas parece impossível me desprender. Um programa na televisão da lanchonete, há poucos dias, me trouxe você. Acho que foi a vinheta que me acordou milhões de vezes aos domingos antes que vc conseguisse abaixar o volume do aparelho. Foi tão real a minha dor que não me contive, e ali mesmo permitir que ela falasse, escancarada em lágrimas.

Sabe o que mais me trouxe você dias atrás? O calendário. Como os dias têm passado rapidamente. Sei que você reclamaria por já estarmos tão pertos da "fogueira" e de que, para o Natal, "tá um pulo". E foi aí que me doeu novamente. As datas serão as mesmas de todos os outros anos, e precisarei me lembrar em todas que você não estará ao meu lado. Até no Natal, "a festa mais triste do ano, com pouca gente com tanto e tanta gente sem nada".

E a minha dor de cabeça? Ela veio, mesmo sem aquela latinha de Vick ao lado para acompanhar. Fiquei tão perdida. Pensei em te ligar. E não pude. Não poderei nunca mais mesmo, não é? Até se a dor for muito grande e eu não conseguir, sequer, abrir meus olhos. E, pensar assim, a tornou tão grande que não consegui, sequer, abrir meus olhos. Nem para chorar.

Outra besteira que me levou aos prantos, você não vai nem acreditar: meu travesseiro velho. Aquele cheio de bolinhas que você me deu há tanto tempo. Encontrá-lo me levou às noites em que te esperava na cama enquanto a novela, ou o programa depois dela, não acabava. Quis apertar bem forte contra meu rosto em busca de qualquer pouquinho do seu cheiro que pudesse estar escondido por ali ainda. Não encontrei nada além do tecido molhado por mim.

Você não imagina o que as manhãs de sol têm me feito também. Na casa nova, tudo é muito claro, do jeito que você sempre gostou que fosse. Não há um só lugar que falte luz, exceto por mim. Fica difícil me manter irradiante o tempo todo quando penso em como esse brilho cairia tão bem em você. Você conseguiria puxar a cadeira por toda a sala em sua busca por um pouco do "sol que faz bem pra saúde". Eu iria amar ver essa cena. Todos os dias.

E, talvez por isso, reconheço não ter sido nunca seu amor que me fez mal, mas, sim, não tê-lo. Não importa a direção, sigo sem seguir qualquer caminho. E, por tudo isso, preciso viver ao máximo, para não notar que parte de mim também morreu.

domingo, 14 de maio de 2017

O que encontro em você


Um traço franco do que cabe no infinito. Um cheiro doce, marcante, que se mistura ao próprio ser. Uma atenção que nunca desvia o olhar. Uma firmeza inabalavelmente admirável. Um colo que não se consegue abandonar. Uma audácia quanto ao acreditar antes de todo o restante do mundo. Uma ternura ao sonhar com qualquer história maior. Uma insegurança por nunca aceitar que vive dando o seu melhor. Uma vontade de nunca falhar e, quando isso inevitavelmente acontecer, sempre conseguir contornar. Uma certeza de que nunca experimentará algo parecido, com todos os seus paraísos e padecimentos. Uma sintonia que só muitas noites insones poderiam construir. Uma confiança de que sempre haverá o sempre. Um prato que nunca está suficientemente cheio. Uma expectativa de que essa será sua melhor versão. Um pavor de que haja noites escuras demais pelo caminho longe dos seus passos. Um caso sempre a se pensar. Uma intimidade que desnuda qualquer investida de se esconder. Um ombro que nunca se importa em ficar molhado. Uma luta que nunca se perde ou ganha inteira a sós. Um som que nunca poderá ser tocado em outro ritmo. Um olhar que dispensa até palavras, mas poucas vezes o faz. Uma grandeza tão nobre que não teme se fazer menor. Uma experiência que segue rumos diferentes a cada dia. Um sofrer calado, disfarçado em qualquer sorriso torto. Um gosto de almoço de domingo com mesa cheia, mas, também, daquele pedaço escondido na vasilha no fundo da geladeira até a chegada atrasada. Um silêncio de quem compartilha um mundo. Um toque que cura até o que não se pode ver. Uma prece que floresce por mais pedras que existam no caminho. Uma luz que não consegue nunca ser menor que o próprio existir. Uma perda que, como aprendido há pouco, já sei, nunca poderei superar.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Foi preciso

Não, não vou levar um pedaço seu. Vou sair com pouca coisa daqui. Uma porção de lembranças, mochila nas costas e nosso adeus. Não vou levar todos os retratos, nem suas promessas vãs dos últimos dias, nem a minha vontade de continuar mais um pouco. Ela também vou deixar de lado, junto com as feridas que nos causamos. Não preciso mais me apegar às mágoas, foram elas que me arrancaram de seus braços. Não que eu esteja me livrando de você, só estou me libertando do peso que nos tornamos. Viemos desatando esse nó aos poucos, fio a fio, até não existir nada além de pontas soltas, marcadas.

Ainda vai nos doer por muitos dias a cama vazia, os almoços em silêncio, as voltas do trabalho e toda a construção de planos com novas perspectivas. Mas, ainda que em lágrimas, nós já provamos saber nos virar bem sozinhos, e todo esse incômodo também poderá se tornar refúgio se tivermos coragem para enfrentar toda nossa culpa. Ao me afastar, não te tornarei menor em mim, não vou tentar te cobrir com a minha própria sensação de fracasso, não irei te pintar com os desconfortos da minha solidão. O importante será aprender a não mais nos esconder do que é sentido. Lembre-se: não se atentar a isso foi o exato motivo que nos trouxe até aqui.

Há coisas que precisarão ser maturadas, confesso. A raiva por todo silêncio, o abraço negado ao lembrarmos do que não foi, a fuga daquilo que desmoronara dia a dia... E esses traços até passarão se pudermos perdoar os nossos próprios erros ao invés de entregá-los como recompensa à dor do outro. Não precisaremos mais justificar nossas falhas nos desalinhos que vêm do lado ou recorrer a palavras cruéis para esconder que não soubemos manter esse amor. Restou restos demais, dissabor demais, urgências demais e, para te manter inteiro, precisaria me levar em pedaços. Pedaços que não se ligariam e nos reduziriam à frustração de um eterno desencontro.

Quanto às marcas, nos seguirão. Foram feitas todas com muita intensidade. Quanto a você, não precisa me odiar para sempre ou deixar de me amar agora. Quanto a mim, seguirei na tentativa de um reencontro comigo mesma. Seguirei. Mesmo sem ter a mínima ideia de como o farei.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Sobre o que não chega ao fim

Mesmo assim, sem consentimentos, me tiraram a energia e propuseram qualquer outra fonte que me mantivesse, ao menos, com o coração a bater. E ele bate. Se alternado entre sobressaltos e sussurros, entre esperas e corridas, entre abafos e explosões. Você, antes mesmo de mim, saberia: tenho medo do que virá sem nos termos. O que trago de você é muito grande para se tornar vazio.

Preciso me desculpar pelo pavor de me arriscar agora. Não foi assim que me ensinou, mas tenho sido medo o tempo todo. Sido o medo de dar o próximo passo, cair e não ter como me levantar. Sido o medo de continuar, me perder e ter que aceitar não haver mais para onde voltar. Fiz meu porto onde seus pés estivessem, e ali sempre teria minha terra firme. Nunca houve no mundo um lugar mais seguro que seu colo para mim. E não só por ser acompanhado de dedos se envolvendo em meus cabelos, num cafuné tão só seu, mas, principalmente, por eu me lembrar desse refúgio sempre disponível desde muito cedo. Contei com ele de menina a mulher, sem ter feito a menor diferença o peso de toda essa transição.

Desculpo-me, também, por tantas lágrimas. Elas sempre brotaram em mim. Brotaram quando não queria sair de perto de você, quando nos restavam apenas acenos do carro pelos fundos da casa. Brotaram quando não nos entendíamos. Brotaram na minha própria incapacidade de dar fim às suas angústias. Brotaram sempre que me tocava da grandeza do que nos tangia e, desesperadamente, precisava te pedir para que nunca se desprendesse. Brotaram sutis quando eu não conseguia sustentar a nossa eternidade.

Mas me faço mais em gratidão. Agradeço por nossas conversas. Conversas de cozinha, de banheiro com porta aberta, deitadas antes de dormir, nos percursos ao telefone, nas distâncias que nunca foram tão reais como têm sido agora. Agradeço também por ter me dado flores, músicas, chás e novelas. Guardo todos para repartir. E como não te agradecer por esta certeza? Certeza de que nada poderá ser maior que o nosso nó, nem todo esse peso que tenho trazido nos últimos dias.

Não é fraqueza ser tão franca, é que eu realmente tenho sentido muito. Sentido a cada vez que não posso te ligar para contar da rotina. Sentido por ímpetos que não serão acalentados em seus braços. Sentido pelas vezes que não nos deitaremos no sofá para, pela enésima vez, assistir ao mesmo filme de cachorro. Sentido por não haver mais necessidade de cuidado, de chocolate com amendoim ou castanha, de unhas pintadas e tardes com pinças e esfoliantes. Sentido por nossas parcerias desfeitas, nossas aulas de yoga, nossos sucos na confeitaria, nossas visitas inesperadas. Sentido porque perderei seu cheiro de hidrante com alguma coisa mentolada por trás. Sentido por não ter sua mão com dedinhos tortos para mexer na espera de uma consulta. Sentido por não ter mais suas frases geniais para me orgulhar em conversas quaisquer. Sentido muito por ainda precisar tanto de você para seguir qualquer rumo.

Sei que não deveria chorar. Mas, com êxito, tenho, no máximo, concentrado esforços para respirar. Não que você não mereça uma porção de sorrisos ao ser lembrada, não que eu não queira esvaziar um pouco do cinza que me cerca, só não consegui me preencher com outra coisa além da sua ausência. Você me viu chegar, eu te vi partir e o que vimos juntas nesse intervalo se tornou a própria existência. Nunca precisamos nos doar uma a outra, já éramos entregues. Agradeço pela chance de termos nos tido assim e, bem por isso, tem sido tão duro seguir sendo só metade.