quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Estão tentando acabar com a gente

Estão tentando acabar com a gente quando nos agridem tão violentamente que fazem o sangue jorrar. Mas, também, quando nos empurram ou puxam o cabelo, e ninguém consegue ver as marcas da agressão.

Estão tentando acabar com a gente quando, no auge da nossa exposição, violação e humilhação, perguntam o porquê de não reagirmos antes, mesmo sem se importar com todo risco corrido para se quebrar um ciclo de violência.

Estão tentando acabar com a gente quando relativizam as motivações do agressor, numa comunhão velada pela busca de qualquer coisa que desqualifique vítima e imponha algum merecimento pelo que houve (já que insiste na relação, não larga esse homem, não sai de casa, não escolheu bem...).

Estão tentando acabar com a gente quando riem de misoginia, com aquela "piada" que estimula violência física, sexual ou moral contra mulher, e recorrem a termos como "vitimismo" ou "mimimi" para desqualificar quem não acha graça do que é violação.

Estão tentando acabar com a gente quando dizem, prontamente, que há exceções - como se a defesa da reputação ilibada de um fosse mais urgente que defesa da dignidade e direito à vida de uma.

Estão tentando acabar com a gente quando é tão naturalizada a violência que, diferentemente de qualquer outro enquadramento penal, a vítima é estimulada a se calar (já que vão estar juntos amanhã de novo, não é a primeira vez que acontece...).

Estão tentando acabar com a gente quando não se incomodam com o pedido de socorro, muitas vezes sem palavras até, de quem não encontra segurança na própria casa, na igreja, na escola, no trabalho.

Estão tentando acabar com a gente quando nos acusam de exageradas e, com "garantias" sem quaisquer valor, usam termos como "vai passar", "deixa isso pra lá", "as coisas não vão mudar".

Estão tentando acabar com a gente quando ridicularizam nossas falas, nossas denúncias, nossos pedidos por respeito, nossas brigas para sermos vistas e ouvidas, nossas súplicas pela vida.