segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Para o amor que eu não quis caber

Já me perdoei pelo peso de ter te querido tanto, de não me controlar sob seu toque, de não deixar você ir completamente, de achar que não conseguiria superar você. Por te enxergar tão grande, acabei cogitando que, talvez, você realmente estivesse certo a meu respeito - e cheguei a ter receio. Seria eu mesma tão pequena a ponto de não conseguir mais do que a sua angústia?

Você não é mais refúgio talvez, exatamente, por ter insistido que meus passos já não dariam conta de uma estrada longe do seu cuidado. Cair em seus braços não é mais necessidade, é um escape que só funcionaria se não houvesse esperas e amanhãs para nossos nós. Já somos partida, por mais que saibamos como nos manter por perto. Já somos as mãos soltas no caminho para casa, ainda que com saudade dos pés laçados na cama. 

Não preciso mais das minhas próprias juras - que não mais te buscarei - nem das suas - por mensagens que nunca chegarão. Não há mais pelo que esperar, não precisamos nos apoiar em meio a nossas loucuras porque aprendemos a tratá-las a sós - apesar de reconhecer a delícia de conversas à mesa e desabafos entre abraços. Um turbilhão de coisas revirou nossa certeza, que não poderia se manter em meio a tantas palavras amargas atropeladas por esperanças cada vez mais vãs.

Acho que nossos caminhos não se desligarão completamente. Você sabe de mim e eu sei de você. Isso é muito para que consigamos nos tornar indiferentes às nossas existências -  mas nem tanto para nos manter ligados. Quaisquer promessas se farão pequenas demais para nos permitir insistir. Falhamos pelo que ansiamos, não pelo que vivemos.

Não aceitar acompanhar seu ritmo não quer dizer que eu não possa dançar. Não sou uma mulher menos incrível por não ter conseguido atender a suas expectativas distorcidas - não sou menos mulher em hipótese alguma. O espaço que quis me manter foi pequeno demais. Doeu, marcou, mas não me reduziu. Todos os dias aprendo mais sobre o lugar em que caibo, e como ele é grande, e como ele é meu. Apesar de ter te dado grande parte dele, do meu espaço, entendi que a força para me apossar de mim novamente é toda minha.

Não se preocupe, ainda não perdi o fôlego. Por mais ar que me falte reconhecer tudo o que você quis me tornar, não me falta um grama de força para continuar sendo o tudo que eu me tornei.

domingo, 6 de janeiro de 2019

Nada colorido

Antes fosse só uma colocação inocente sobre mundos coloridos... Sorry, mas não há referências sobre paletas de cor machão ou mulherzinha na fisiologia humana. Não há nascimento de machos azuis e fêmeas rosas na nossa espécie (isso existe na identificação do sexo nos bebês recém-chegados dentro das famílias que possuem recursos financeiros para tais escolhas). Não há limitações biológicas maiores ou, sequer, do mesmo tamanho que as das expectativas sociais. E, com o mínimo de bom senso que possuirmos, entenderemos que o discurso de rótulos sobre feminilidade e masculinidade é preconceituoso e limitador.

Não gostaria de ter que escrever sobre polêmica cromática, mas, como muita gente insiste em reproduzir o conceito de gênero como padrões que sempre existiram (lá vem o essencialismo), vou esclarecer rapidinho que não é biológica nem sagrada essa padronização... na verdade, ela tem muito mais origem mercadológica! Diretamente sobre rosa de meninas e azul de meninos (ow, Damares!): nós, produtores de comunicação em massa e publicidade tradicionais, atendemos, como tudo na vida, a interesses do capital ($$$), meus anjos, e as cores são poderosas e influenciam diretamente no consumo. Hoje, a gente associa o rosa à "delicadeza" e à "fragilidade" "intrínsecas" à mulher e o azul, à virilidade. Mas não foi sempre assim, isso foi construído muito recentemente inclusive.

"O rosa só se estabeleceu de vez como uma cor feminina na década de 1980. Mas o caminho até lá foi longo. Acompanhe a história: Durante séculos, as tinturas para roupa eram muito caras e crianças de qualquer gênero usavam vestidos brancos até uns 6 anos de idade. Os tons pastéis – entre eles, o rosa e o azul – só começaram a ser associados a crianças no início do século 20, pouco antes da 1ª Guerra Mundial. Na época, porém, ainda não havia uma distinção de gênero estabelecida. Havia até quem defendesse o oposto da norma que vigora hoje: uma artigo de 1918 da Earnshaw’s Infants’ Department dizia que rosa era para meninos e azul para meninas. Isso porque o rosa seria uma cor mais “forte e decidida”; já o azul, mais “delicado e amável”. Perceba que só muda a paleta de cores: o machismo implícito à explicação está lá, intacto." 
Leia a matéria completa: Quando - e por que - o rosa se tornou cor de menina? - Superinteressante

"Até a Primeira Guerra Mundial, nos Estados Unidos, os bebês de ambos sexos eram vestidos com roupas de cor branca. Na época, quando a família decidia colocar um pouco de cor no figurino dos filhos, escolhia azul para uns, rosa para outros. Era rosa para os meninos (por ser uma cor "mais decidida e forte", já que era associada ao vermelho, cor do sangue e vigor), enquanto as meninas usavam o azul (cor considerada naqueles tempos como "mais delicada e amável"). As recomendações sobre essas cores aparecem nos anos prévios à Grande Guerra em revistas como Earnshaw’s , o Ladies’ Home Journal e o The Sunday Sentinel. (...) Somente após a Segunda Guerra Mundial é que a indústria dedicou-se a produzir roupas cor-de-rosa primordialmente para meninas e azuis para meninos. Esse boom do rosa coincidiu nos anos 50 com a chegada do casal Eisenhower à Casa Branca. A primeira-dama Mamie Eisenhower era obcecada com o cor-de-rosa que havia sido amplamente divulgada pela designer italiana Elsa Schiaparelli. (...) As mulheres americanas começaram a imitar o gosto da primeira-dama e também começaram a usar essa cor de forma intensa no cotidiano."
Leia a matéria completa: 11 coisas que talvez você não saiba sobre o intervencionismo cromático - Época

Inclusive, poderiam ser outras cores utilizadas para essas definições - os tons são apenas detalhes nestes condicionamentos. A atenção é voltada ao que há por trás: estereótipos de gênero não são características/tendências naturais. A tábua de ferro rosinha de brinquedo para a menininha e o jogo de construção de cidades em tons escuros para o menininho, em regra, estão deixando bem definido o que se "espera" de cada um: a mulher nasce para aprender a servir, e o homem para direcionar a sociedade. Assim como o kit de maquiagem para as mocinhas e a bola de futebol para os rapazinhos: você, madame, precisa buscar desesperadamente se encaixar a padrões para ser aceita e alcançar a finalidade da sua existência (agradar e conquistar seu provedor) e você, "dono do mundo", deve socializar e criar laços com seus iguais - sem muitas preocupações quanto à própria aparência, porque você tem um pênis, ou aos cuidados com o ambiente em volta, porque você sempre terá uma mulher (vestida de rosa e subserviente) com esta funcionalidade (muda até o cargo, mãe/irmã/namorada/empregada, mas sempre será uma fêmea).

E, pasmem, enxergar isso não é negar as particularidades dos funcionamentos orgânicos a partir do sistema reprodutor, é desmistificar os conceitos de sexo frágil e sexo forte. Sendo bem didática: não rotular as capacidades de acordo com o sexo biológico é ampliar as possibilidades de todos dentro da sociedade. Eu sei, abrir a mente para entender que papéis de gênero são construções egoístas pode te incomodar um pouco mesmo, mas é mais leve viver sem precisar atender às expectativas externas. Sejam quais forem as esperadas de você.