domingo, 14 de maio de 2017

O que encontro em você


Um traço franco do que cabe no infinito. Um cheiro doce, marcante, que se mistura ao próprio ser. Uma atenção que nunca desvia o olhar. Uma firmeza inabalavelmente admirável. Um colo que não se consegue abandonar. Uma audácia quanto ao acreditar antes de todo o restante do mundo. Uma ternura ao sonhar com qualquer história maior. Uma insegurança por nunca aceitar que vive dando o seu melhor. Uma vontade de nunca falhar e, quando isso inevitavelmente acontecer, sempre conseguir contornar. Uma certeza de que nunca experimentará algo parecido, com todos os seus paraísos e padecimentos. Uma sintonia que só muitas noites insones poderiam construir. Uma confiança de que sempre haverá o sempre. Um prato que nunca está suficientemente cheio. Uma expectativa de que essa será sua melhor versão. Um pavor de que haja noites escuras demais pelo caminho longe dos seus passos. Um caso sempre a se pensar. Uma intimidade que desnuda qualquer investida de se esconder. Um ombro que nunca se importa em ficar molhado. Uma luta que nunca se perde ou ganha inteira a sós. Um som que nunca poderá ser tocado em outro ritmo. Um olhar que dispensa até palavras, mas poucas vezes o faz. Uma grandeza tão nobre que não teme se fazer menor. Uma experiência que segue rumos diferentes a cada dia. Um sofrer calado, disfarçado em qualquer sorriso torto. Um gosto de almoço de domingo com mesa cheia, mas, também, daquele pedaço escondido na vasilha no fundo da geladeira até a chegada atrasada. Um silêncio de quem compartilha um mundo. Um toque que cura até o que não se pode ver. Uma prece que floresce por mais pedras que existam no caminho. Uma luz que não consegue nunca ser menor que o próprio existir. Uma perda que, como aprendido há pouco, já sei, nunca poderei superar.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Foi preciso

Não, não vou levar um pedaço seu. Vou sair com pouca coisa daqui. Uma porção de lembranças, mochila nas costas e nosso adeus. Não vou levar todos os retratos, nem suas promessas vãs dos últimos dias, nem a minha vontade de continuar mais um pouco. Ela também vou deixar de lado, junto com as feridas que nos causamos. Não preciso mais me apegar às mágoas, foram elas que me arrancaram de seus braços. Não que eu esteja me livrando de você, só estou me libertando do peso que nos tornamos. Viemos desatando esse nó aos poucos, fio a fio, até não existir nada além de pontas soltas, marcadas.

Ainda vai nos doer por muitos dias a cama vazia, os almoços em silêncio, as voltas do trabalho e toda a construção de planos com novas perspectivas. Mas, ainda que em lágrimas, nós já provamos saber nos virar bem sozinhos, e todo esse incômodo também poderá se tornar refúgio se tivermos coragem para enfrentar toda nossa culpa. Ao me afastar, não te tornarei menor em mim, não vou tentar te cobrir com a minha própria sensação de fracasso, não irei te pintar com os desconfortos da minha solidão. O importante será aprender a não mais nos esconder do que é sentido. Lembre-se: não se atentar a isso foi o exato motivo que nos trouxe até aqui.

Há coisas que precisarão ser maturadas, confesso. A raiva por todo silêncio, o abraço negado ao lembrarmos do que não foi, a fuga daquilo que desmoronara dia a dia... E esses traços até passarão se pudermos perdoar os nossos próprios erros ao invés de entregá-los como recompensa à dor do outro. Não precisaremos mais justificar nossas falhas nos desalinhos que vêm do lado ou recorrer a palavras cruéis para esconder que não soubemos manter esse amor. Restou restos demais, dissabor demais, urgências demais e, para te manter inteiro, precisaria me levar em pedaços. Pedaços que não se ligariam e nos reduziriam à frustração de um eterno desencontro.

Quanto às marcas, nos seguirão. Foram feitas todas com muita intensidade. Quanto a você, não precisa me odiar para sempre ou deixar de me amar agora. Quanto a mim, seguirei na tentativa de um reencontro comigo mesma. Seguirei. Mesmo sem ter a mínima ideia de como o farei.