segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Exagerada não, vítima

É preciso ficar muito claro na nossa mente que não é exagero querer ser respeitada, ainda que isso custe apontar posturas, até então, normalizadas socialmente. Quando entramos em uma relação, não deixamos de ser um ser individualizado, não passamos da condição de gente à de coisa e não nos tornamos propriedade de alguém - e isso cabe a qualquer relação (pode ser namoro, casamento, rolo, paixão platônica... mas, também, com seu pai, seu irmão, seu filho...).

A visão da "proteção" e "provisão" masculina respalda, infelizmente ainda, a dominação do homem, o que, abraçada ao machismo, reduz a mulher a ponto de, infelizmente ainda, torná-la refém de violência cotidiana - seja de violência que causa sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial (espia o artigo 7º da Lei Maria da Penha apontando as formas em que acontecem o crime contra a mulher em ambiente doméstico e familiar).

É natural discutir, debater, discordar... Sabe o que não é natural nas ligações entre pessoas? Ser humilhada, ter medo de ser como é ou fazer o que sente vontade, duvidar de você mesma, se anular para manter o outro confortável. Nada vale a sua paz - nem a "vida" que você planeja ou já constrói há anos. 

A questão é que, se reconhecer vítima, não cria também uma blindagem contra a violência e, até aqui, não há o que se discutir sobre a "culpa" da vítima nessa situação. São infinitos os fatores (que variam caso a caso) que impedem um mulher de finalizar uma relação abusiva, geralmente há dependência (principalmente financeira e/ou afetiva) e há o ciclo do abuso (tensão - intimidação/violência aguda - reconciliação - calmaria - tensão - intimidação/violência aguda - reconciliação - calmaria - e recomeça...).

A mulher exposta a esse tipo de violência já ouviu tantas vezes que não é boa o suficiente que, geralmente, internaliza isso como verdade. Por trás da "mulher de malandro" (aff!), há uma pessoa que já foi violada moral e psicologicamente, a ponto de duvidar da sua capacidade de sair ou até mesmo de merecer mais do que o que tem.

O homem violento não precisa usar da força dos seus braços para silenciar e anular a existência de uma mulher. Reafirmar comportamentos de dominação é agressivo e cruel e marca tão profundamente quanto qualquer violência. E isso não torna ninguém mais homem. Muito pelo contrário.


#atencao: haverá posts para esclarecer cada um dos tipos de violência de gênero elencados pela Lei Maria da Penha

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

O monstro não é como dizem

O monstro não tem cara. Ele pode ter ajudado na rifa da igreja, pode ter pagado um lanche para o menino que pediu, pode ter se importado com a violência da qual a vizinha foi vítima. 

O monstro não te causa repulsa. Ele pode ter ensino superior, pode ter um perfil no Instagram, pode ter conhecimento sobre geopolítica.

O monstro não te deixa insegura. Ele pode ter um emprego fixo, pode ter uma família perfeita, pode ser querido em todo o prédio.

O monstro não levanta suspeitas. Ele pode ter te contado sobre problemas com o pai na adolescência, pode fazer parte de um time de basquete, pode ir ao mesmo barbeiro há décadas.

O monstro não te afugenta. Ele pode elogiar seu sorriso, pode tocar violão, pode se lembrar qual sabor de pizza você prefere.

O monstro não te desencoraja. Ele pode escolher bem as palavras, pode ter um gato, pode ser responsável com todos os prazos.

O monstro não vai se esconder. Ele pode ser o xodó da avó, pode frequentar a academia, pode saber agradecer e cumprimentar desconhecidos.

O monstro não vai te encurralar. Ele pode ser bom de cama, pode gostar de séries policiais, pode conhecer toda a sua família.

O monstro não tem histórico assustador. Ele pode estar buscando uma promoção, pode ser contido, pode ler a Bíblia.

O monstro não destrói tudo que toca. Ele pode ser sedutor, pode acertar nos presentes, pode gostar de crianças.

O monstro não é uma aberração. Essa é a razão para poder encontrá-lo em qualquer lugar - no trabalho, na casa ao lado, na família, no Tinder, até mesmo compartilhando sua cama. 

O Brasil ocupa a 5ª posição no ranking de feminicídios entre 83 nações e registra um estupro a cada 11 minutos - nem contos de fada teriam tantos personagens para tornar vilões. Os "monstros" que lidamos são aceitáveis socialmente até serem descobertos pelas monstruosidades que cometem. E isso não é culpa nossa.



Não há o que se discutir sobre culpabilizar vítimas. Abrir sua casa para alguém não o dá o direito de agredi-la. Buscar uma plataforma digital para conhecer pessoas não a torna menos merecedora de respeito. Não conseguir sair de uma relação abusiva não a faz responsável pela violência sofrida. Não há, realmente, o que se discutir sobre culpabilizar vítimas.