O monstro não tem cara. Ele pode ter ajudado na rifa da igreja, pode ter pagado um lanche para o menino que pediu, pode ter se importado com a violência da qual a vizinha foi vítima.
O monstro não te causa repulsa. Ele pode ter ensino superior, pode ter um perfil no Instagram, pode ter conhecimento sobre geopolítica.
O monstro não te deixa insegura. Ele pode ter um emprego fixo, pode ter uma família perfeita, pode ser querido em todo o prédio.
O monstro não levanta suspeitas. Ele pode ter te contado sobre problemas com o pai na adolescência, pode fazer parte de um time de basquete, pode ir ao mesmo barbeiro há décadas.
O monstro não te afugenta. Ele pode elogiar seu sorriso, pode tocar violão, pode se lembrar qual sabor de pizza você prefere.
O monstro não te desencoraja. Ele pode escolher bem as palavras, pode ter um gato, pode ser responsável com todos os prazos.
O monstro não vai se esconder. Ele pode ser o xodó da avó, pode frequentar a academia, pode saber agradecer e cumprimentar desconhecidos.
O monstro não vai te encurralar. Ele pode ser bom de cama, pode gostar de séries policiais, pode conhecer toda a sua família.
O monstro não tem histórico assustador. Ele pode estar buscando uma promoção, pode ser contido, pode ler a Bíblia.
O monstro não destrói tudo que toca. Ele pode ser sedutor, pode acertar nos presentes, pode gostar de crianças.
O monstro não é uma aberração. Essa é a razão para poder encontrá-lo em qualquer lugar - no trabalho, na casa ao lado, na família, no Tinder, até mesmo compartilhando sua cama.
O Brasil ocupa a 5ª posição no ranking de feminicídios entre 83 nações e registra um estupro a cada 11 minutos - nem contos de fada teriam tantos personagens para tornar vilões. Os "monstros" que lidamos são aceitáveis socialmente até serem descobertos pelas monstruosidades que cometem. E isso não é culpa nossa.
Não há o que se discutir sobre culpabilizar vítimas. Abrir sua casa para alguém não o dá o direito de agredi-la. Buscar uma plataforma digital para conhecer pessoas não a torna menos merecedora de respeito. Não conseguir sair de uma relação abusiva não a faz responsável pela violência sofrida. Não há, realmente, o que se discutir sobre culpabilizar vítimas.
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