sexta-feira, 19 de agosto de 2011

E é assim

Não era um bom momento para uma vontade dessas. Nunca era. Sabe aquelas vontades que não se importam com o fato de você ser apenas um ser humano dotado de limites? Era uma dessas. Respirou fundo, tão fundo que quase aspirou ao asfalto sob os seus saltos altíssimos, diga-se de passagem.
Entrou em uma loja qualquer, rendeu-se.

"Oi... Er... – pensou em desistir, mas, nesse exato momento, como o soco no estômago, a vontade fez relembrar o seu desejo. Sorriu amarelo. – Posso usar o seu banheiro?"

A vendedora, como toda boa vendedora que se preze, estampou-lhe um grande sorriso e a dirigiu a uma porta vermelha, no fundo de tudo. Poderia soltar um rugido, tão grande foi o prazer que a invadiu. Mas, conteve-se. Já havia passado por coisas esquisitas demais aquele dia e sabia que já havia se tornado motivo para burburinhos dentro daquele lugar, sem precisar cometer maiores excentricidades.

Colocou seus óculos escuros, ajeitou o cabelo, saiu do lavabo, agradeceu a vendedora, que lhe dirigiu mais um dos seus sorrisos artificialmente espontâneos, e, quase que correu, até a saída da loja. Não olhou para trás. Mas, quando há uma possibilidade, mesmo que remota, de algo dar errado, nem hesite...

Partiu ao encontro do cliente. Só para constar, o dito cliente, fazia todo o pessoal do escritório tremer só de ouvir o toque da sua ligação. E, todas as defesas de projetos, sempre, sobravam para ela. Talvez, esse fosse o quinto, ou sexto encontro entre eles e não, ainda não, havia se acostumado com aquela situação. Sentia-se desconfortavelmente nervosa e visitava o banheiro, no mínimo, 30 vezes, antes da reunião.

Ao chegar ao escritório da empresa, foi informada que seria atendida por um gerente de outro departamento. Internamente, suspirou de alívio. Sentou-se e aguardou. Foi surpreendida por uma moça muito jovem, provavelmente uma estagiária, calçada com uma sandália plataforma de plástico, um tanto estranha, com quase 20 centímetros de salto, que a levou à, já conhecida, sala de reuniões.

Não conseguiu respirar. De repente, a sala branca e seus móveis não passavam de um borrão negro. Quis, mais que qualquer outra coisa, estar sonhando. Não podia ser verdade. Com mais de seis bilhões de pessoas no planeta, estaria naquela sala, justamente, com àquela por quem já havia destinado todo o seu mais alto índice de ódio mortal (e, talvez, até vital, também!).

Lá estava ela, à sua frente. Não havia como negar, sua beleza, sua autoconfiança e, a mais visível de todas as características, seu anel de noivado. Elas já haviam se encontrado uma vez antes. Para ser mais exata, há pouco mais de quatro meses. E não, não houve um só segundo de cortesia e amabilidade entre elas. A data em questão marcou o final de um namoro de quase seis anos e o início de um noivado. Bem, não há mais nada a ser dito do tenso momento.

Por instinto talvez, recuou dois passos. Mas, deteve-se. Cumprimentou-a com um seco “Bom dia!” e iniciou a apresentação. Foi seca (e rancorosa!) o bastante, a ponto de perder a noção de espaço, de tempo, de qualquer outra coisa que não fosse a jugular da rival. Mulheres têm dessas. Nunca deixam de ser rivais, mesmo que nem se importem mais com o objeto da disputa ou que nem tenha sido nessa vida a pendência. Serão rivais, eternamente.

O resultado, lógico, foi desastroso. Não souberam ser profissionais. O projeto não foi aceito pela empresa, nem houve o menor sinal de interesse em modificações da proposta. Uma, voltou para sua sala, ligou para o seu noivo e contou sobre o encontro inusitado, lógico que à sua maneira. A outra, sem condições de trabalhar, voltou para casa e acabou todo o estoque de papel que havia por lá.

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